Sororidade pode ser uma estrada vazia

quarta-feira, 28 de maio de 2014
Acho que tá na hora da gente viver no presente. E com os pés no chão, trabalhando na distância que nossas pernas podem chegar, tomando nosso espaço e criando a nossa voz. Todas juntas. Acredito que seja um pouco com esse pensamento, que todas nós em algum momento clamamos por sororidade. Quando aprendi esse termo, aprendi na prática. Foi assim que conheci o feminismo e agradeço todos os dias por já ter visto isso dar certo. Isso funciona, meninas! A gente pode fazer isso funcionar no espaço amplo, é só a gente conseguir começar a se questionar.

O que eu entendo como sororidade é que todas as mulheres são minhas irmãs. Todas as mulheres são uma parte de mim. Eu sou toda mulher estuprada, violentada, assassinada, queimada. Eu sou toda mulher que foi silenciada por um homem, que teve sua identidade de gênero negada, que teve que se submeter a um aborto clandestino. E eu sou toda essa mulher, não por compreender todas as agressões que elas sofreram, mas por entender que eu só serei verdadeiramente livre quando ela também for.

Eu sempre tive medo de discursos bonitinhos e ensaiados. No começo, eu realmente achava que a sororidade era isso. Mas ela não é tão altruísta assim e, por isso, fui percebendo que ela, além de muito necessária, é capaz de ser posta a prova. Só que pra isso a gente tem que desconstruir algumas (muitas) coisas diariamente. Algumas delas eu tô começando a perceber agora. Por exemplo: Todas nós temos que entender mulheres trans e mulheres cis como igualmente mulheres e igualmente irmãs. Temos que entender com o máximo de urgência que homens são corporativistas. Homens se defendem. Homens foram ensinados a serem amigos, desde pequenos, enquanto à nós sempre coube a competição por aceitação masculina. Entendendo isso, a gente tem que se unir. De verdade. De coração. Entender que a agressão que outra mulher sofreu, e eu não, também me agride e me mata diariamente. Entender que o choro da outra irmã deve ser escutado e o grito deve ser apoiado. Só que, em momentos como esse, não acho que estamos nem unidas, quem dirá prontas para nos separarmos.

Depois de "TW: ciclo menstrual" e "blacklist" (que começa errado pelo nome) com radicais transfóbicas, depois de misoginia para se defender de transfobia e transfobia pra se defender de misoginia, eu volto a falar de sororidade. Por que todas estamos clamando por isso, então vamos arrumar um jeito de realmente nos unirmos? E isso não quer dizer que vamos concordar em tudo e que vamos entrar nos mesmos coletivos, ter a mesma formação política, frequentar todas os mesmos lugares ou sermos todas amigas. Mas vamos começar a tentar ter compaixão pela outra mulher e entender que ela é sua irmã. E entender que quando estamos unidas, quando aceitamos nossas diferenças ideológicas em prol de defender as mulheres do patriarcado, estamos nos fortalecendo e nos protegendo. E mais importante: estamos nos salvando juntas.

É muito fácil transar sororidade com amiga, com companheira de partido, com a menina que mora com você. É muito fácil transar sororidade com aquela menina que em momento nenhum se colocou em uma posição contrária a sua. E mais: é muito mais fácil ter sororidade com quem tem sororidade com você. Mas eu não vou esperar isso ser uma estrada de mão dupla, por que eu sinto uma urgência muito grande na união das mulheres. Eu tô pedindo socorro e eu quero que mulheres me apoiem.

Eu não estou dizendo que devemos passar por cima de opressões em prol do "ser mulher". Toda opressão deve ser repudiada e devemos combater isso no nosso cotidiano. Entretanto, acredito que nós, mulheres, que fazemos o debate feminista, devemos começar a desconstruir as hierarquias que existem ENTRE NÓS. E são vistas diariamente. E quando eu digo que toda mulher é minha irmã, é que eu vou defender toda mulher que sofrer uma agressão. Eu posso não amar essa mulher, posso não ser amiga dela, ela pode já ter me agredido diversas vezes, mas eu sempre vou entender que a opressão que ela sofre também pode me atingir - se já não me atingiu.

Só peço que, ou parem de usar da sororidade seletiva, ou entendam que a sororidade é difícil e um caminho muito longo ainda para a gente seguir. Mas eu vou me esforçar em seguir e queria muito companhia feminina.