Não teremos pau no cardápio hoj

domingo, 28 de abril de 2013
Agora eu vou colocar minha voz na mesa.

Já fazia um bom tempo que eu não escutava alguém falar que feministas são mulheres que querem agir como homens. Até hoje. E hoje, esse comentário teve outro efeito em mim. Logo me veio no pensamento a expressão: Colocar o pau na mesa. Só que hoje, nenhum pau, nenhuma boceta, nenhum peito será servido. 

Eu, mulher, sou firme na minha posição, sou firme na minha voz e tenho convicção dos meus pensamentos: Calem a boca que ela está colocando o pau na mesa. Não, não estou. Eu, mulher cis, não tenho e nunca tive um pau para pôr sobre a mesa. Minha opinião não é formada pelo meu órgão genital, então não é ele que tem que ter voz. 

A questão é que eu não sou homem - e não o quero ser. Eu nasci com genitália feminina e com identidade de gênero feminina. Isso é parte de mim e é parte da qual não abro mão. Entretanto, isso não me define e muito menos me limita. Nascer mulher não é um defeito, um azar ou uma condenação. Assim como nascer homem não é uma dádiva. Nascemos humanos e o que deve ser levado em consideração é a maneira como seguimos nossas vidas. 

A luta que sigo, todos os dias, é a luta pelo feminismo. A luta por uma sociedade sem o machismo, a homofobia, o racismo, o sexismo, o cissexismo, a transfobia e todas as formas de violência, agressão e preconceito. Eu quero uma sociedade que enxergue o homem, a mulher e todas as outras representações de gênero de maneira igual. E isso não quer dizer que eu, mulher, queira ser tratada como homem. Sou mulher e isso não é uma vergonha, não é algo que eu queira mudar. Eu quero ser tratada como mulher, mas antes disso quero que a mulher seja tratada com igualdade. 

Hoje, eu não colocarei meu pau na mesa, nem minha boceta, nem meus peitos. Hoje, colocarei minha voz. 



A voz da minha vizinha #1

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A voz da minha vizinha é a voz que eu escuto ecoando pelo espaço que vivo, estudo, moro. É aquele comentário racista, homofóbico, misógino que escutei enquanto comprava pão. É aquela "briga familiar" que ocorreu na mesa do almoço de domingo e que, no final, todos fingem que nada aconteceu ali de memorável. Todos seguem a sua vida normalmente, como se as palavras que ali foram jogadas simplesmente não existissem. Você passa pelo posto de gasolina e escuta uma pessoa falando que homossexuais merecem apanhar e a reação do mundo é concordar com a cabeça. Dez minutos depois... sumiu. O comentário, as pessoas. Você almoça com conhecidos e escuta um deles falando que está de acordo com a mulher trabalhar, desde que não deixe de fazer a janta da maneira que ele gosta. Dez minutos depois... sumiu. O que resta em todos esses casos é a indignação sentida no peito de quem tem uma pequena noção desse mundo assustador que vivemos, onde as diferenças não são nem um pouco respeitadas. 

A voz da minha vizinha é a voz que se prendeu no meu raciocínio por mais de meia hora, enquanto esperava o ônibus ou enquanto tentava dormir. São as palavras que eu não consegui digerir - nem responder. Talvez seja o senso comum. Maldito senso comum. Essa voz, a da minha vizinha, diz palavras que são, normalmente, interpretadas como: "não adianta tentar mudar, o mundo é assim, aceite." Pois bem, não aceito, não engulo e não me calo. Se o mundo é assim, vamos mudá-lo. Se a cultura é assim, vamos transformá-la. Por que a voz da minha vizinha não pode ser vista como a voz de uma sociedade inteira enquanto o discurso dito for um discurso de ódio, preconceito e segregação. 


A voz da minha vizinha diz*:  Olha, eu não queria falar nada não, mas que luta vazia essa a de vocês. Sério. Antigamente, mulher não votava, não podia trabalhar fora, não podia usar calça. Agora, nós podemos. Nós somos livres! O que mais vocês querem? Que direitos a mais vocês querem? Já somos iguais aos homens, há outros motivos para se protestar. Olha a corrupção correndo solta por aí, vai lá pra rua fazer protesto contra isso. Agora, isso vocês não querem né? Acham muito melhor ir para as ruas, na frente de todo mundo, deixar os peitos de fora. Vocês não querem direitos iguais, vocês querem o direito de ficarem mostrando suas saliências para o mundo todo ver. É uma luta vazia, pois já lutaram pela igualdade antes. Não tem mais o que lutar (!!!). O que vocês querem é vantagens, privilégios. Não basta uma lei que defende a mulher da violência? Não basta?! O que mais vocês querem, afinal? Andar todos os dias com os peitos de fora e gritando? Agindo iguais a... homens?! Quando vocês não estão agindo iguais a homens, estão agindo iguais a vadias. E o pior: Vocês se orgulham disso. Fizeram uma marcha sobre isso. Vocês banalizam a luta das mulheres de antigamente. 


Antigamente, mulher não votava, não podia trabalhar fora e não podia usar calça. Eu fico imaginando que, naquela época, a grande maioria das pessoas viravam para as mulheres que estavam reivindicando seus direitos e falavam basicamente o que essa minha vizinha falou. Qual o motivo de você querer votar se o seu marido/pai já o faz por você? Você não vai querer ter uma opinião diferente da do homem da casa, não é? Então, qual o motivo de você votar se o seu voto já está representado no voto de um homem? Calça? Usar calça é para os homens, mulheres também tem vestimentas que os homens não usam: as saias. Não há motivo algum para misturar esses dois mundos (tão distintos). E trabalhar fora?! Que absurdo. Vai dizer que o seu marido não é homem o suficiente para sustentar você e seus filhos? Mulher trabalhar fora é uma vergonha para a família.

Argumentos vazios existem em todos os momentos para diminuir um movimento. Se ontem não podíamos usar calça, trabalhar fora e votar, hoje ainda temos direitos podados sim. Talvez não lá na lei, que adora falar que somos todos iguais (mas igualmente adora fazer diferença entre nós). Esses dias li sobre uma mulher trans que foi presa por estar com uma blusa transparente e colocada em uma prisão masculina. Somos todos iguais mesmo? Somos vistos da mesma maneira? Não. Somos adequados à lei da maneira mais favorável. A mulher trans foi presa por um ato que afirma que ela é mulher, mas foi punida como se fosse um homem. A justiça não nos enxerga como iguais e, muito menos, vê nossas diferenças. Se ela, que diz que somos iguais, não nos enxerga como tal, imagina essa sociedade que adora segregar? Você entra em uma escola mais "tradicional" e vê filas onde todos os garotos estão na direita e todas as garotas na esquerda. São os detalhes que mais fazem a diferença nessa naturalização da segregação (e de tantas formas de violência).

É fácil se acomodar com a desigualdade quando não é você que está sentindo a violência e a segregação. Quando não é a sua filha que foi estuprada, quando não é a sua neta que tem medo de sair de casa de noite, quando não é a sua sobrinha que foi chamada de piranha. Quando não foi você que tirou foto pelada e mandou para um namoradinho e esse mesmo namoradinho publicou na internet, é fácil apontar o dedo e falar que é tudo piranha. É fácil demais! Tão fácil que as pessoas estão preferindo fechar os olhos para as enormes atrocidades que estão acontecendo e estão decorando esse discurso de que a luta da mulher é uma luta vazia.

E será que somos realmente livres? Eu não me sinto assim. Vivo em uma sociedade que culpa a vítima. A garota é estuprada e vêm um professor falar na frente da turma inteira que é preciso analisar a roupa que a garota estava vestido, afinal ela poderia estar pedindo por aquilo. Ser chamada de "gostosa" e derivados na rua já é tão natural que as pessoas demoram para enxergar (e aceitar) que isso é uma violência. A mulher não pode ir para um bar beber sozinha que logo todos vão interpretar que ela precisa que alguém sare sua solidão (e de preferência a arraste daquele lugar mesmo que ela diga que não quer). Voltar a pé da balada de madrugada é ganhar um plus na preocupação de ser assaltada; agora você também tem que se preocupar se será estuprada - e morta. Roupa curta é sinônimo de "local público, pode passar a mão". E ouse não sorrir... o agressor achará ruim e pode te agredir mais ainda. Só que, fiquemos todas calmas, somos livres!

Que liberdade é essa que me põe medo todas as vezes que me arrumo para uma festa? Que liberdade é essa que coloca a culpa na vítima? Que diz que ela estava querendo, que a roupa dela demostrava que ela não "se dava ao devido respeito" e, por isso, merecia o ato de crueldade que foi praticado contra ela? Que liberdade é essa, minha senhora? Eu tenho somente a liberdade de ser igual a massa, igual aos padrões que são ditos e reafirmados todos os dias na sociedade. Sou homem ou sou mulher. Sou heterossexual. Sou branca. Sou religiosa. Sou e estou sempre calada! Se eu for contra isso, a liberdade se torna uma arma contra mim. Se eu for uma diferença, uma minoria, eu não tenho o direito de ser o que sou. Então, querida vizinha, que liberdade temos se só é possível ser livre em metade da vida, nunca por completo? Só é possível ser livre se você não sair dos moldes? Isso não é liberdade e, muito menos, igualdade.

Meus peitos. Meus. Minha posse, meu corpo, minhas escolhas, minhas regras. Peitos. Parte do corpo que é comum em homens e mulher e em todas as outras identidades de gênero. O homem sente mais calor que a mulher? Não! Então, por que ele pode sair sem blusas e eu sou criticada se amamento meu filho em público? O peito é o mesmo, o tamanho se tornou uma ofensa agora? Por que, se assim o fosse, a censura não tamparia os meus mamilos com uma tarja preta. Meus peitos não são uma ofensa, então não os sinta como tal. A questão é que eu descobri (embora a sociedade tente esconder a todo modo) que o meu corpo tem somente um dono: Eu! E se eu sou a única dona do meu corpo, eu tenho o direito de fazer dele o que bem entender e andar com as roupas que eu quiser sem que isso me deixe a mercê de estupros, violências e etc. Não há problema algum em uma mulher, no Brasil, mostrar os peitos. Globeleza no intervalo do desenho do seu filho? Pode! Bruna Surfistinha ser quase um filme pornô? Pode! (E nada contra Globeleza ou Bruna Surfistinha). Agora, amamentar em público? Uma aberração! Afinal, por que você precisa ficar colocando essas tetas para fora? Manda o seu filho guardar a fome para quando você estiver em um lugar onde ninguém veja seus peitos murchos. A questão é o peito feminino só é aceito em forma de mercadoria, em forma de submissão. Só é aceito quando é para causar humilhação. Quando a mulher está com os peitos de fora por que QUER, ah, ai ela é piranha, vadia e a ação é "atentado ao pudor".

Maria da Penha Maia Fernandes. Agredida pelo marido. O marido deu um tiro nela que a deixou paraplégica. O crime chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, pela primeira vez, foi julgado como um crime de violência doméstica. Entre todas as milhares de coisas que há para serem ditas sobre a violência doméstica, uma é a que vou frisar aqui: A grande maioria dos casos de violência doméstica são cometidos contra a mulher. O Femicídio é alarmante e não dá para esconder o fato de que a maior parte de suas ocorrências é em caso de violência doméstica. Quantas mulheres são assassinadas, estupradas e feridas todos os dias pelos seus maridos, companheiros, ficantes, pais, avós, parentes? Inúmeras, milhares, mulheres demais! A Lei Maria da Penha não é um privilégio, é o direito de defender as mulheres!

O que é ser vadia? Vejo as pessoas "xingando" de vadia as mulheres que se vestem da maneira que querem, que vivem livremente sua sexualidade, que fazem escolhas por contra própria. São as mulheres independentes, que buscam sua liberdade. Se ser vadia é ser livre, então somos todxs vadias!

Certa vez, na Universidade de Toronto, um policial foi fazer um discurso sobre o grande número de estupros que estavam acontecendo. Em sua fala, ele disse que as mulheres tinham que parar de andar como vadias (sluts) e, assim, os estupros cessariam. A culpa, então, é da mulher? A culpa é da roupa que provocou? A Marcha das Vadias (SlutWalk) é um protesto de repúdio à violência contra a mulher, ao machismo, ao preconceito, à culpabilização da vítima. Para aquele policial (e para milhares de pessoas), vestir-se da maneira que deseja é motivo para ser caracterizada como vadia. E como é dito (e eu já disse, mas adoro repetir): Se ser vadia é ser livre, então somos todxs vadias!

Então, querida vizinha, o feminismo não é uma luta vazia. Há muito ainda pelo o que se lutar. A violência está estampando a capa de todos os jornais. A desigualdade e a segregação está espalhada por todos os cantos. Não está bom como está e não está na hora de ficarmos paradas. Eu, mulher, sou livre para ser o que quiser e quero que essa liberdade seja respeitada. Quero andar na rua sem medo, quero me vestir da maneira que eu quiser e quero fazer minhas escolhas sem ter o dedo apontado para mim todos os dias. Eu, mulher, resisto!



*Eu não escutei isso, necessariamente, de uma vizinha. O que importa é que escutei de alguém.

Levou o meu coração e nunca mais voltou

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Isso não é um texto sobre o que foi amor.
Certa vez li que isso seria "arrumar o quarto do filho que já morreu".


É olhar para o lado e não encontrar.
É olhar pra trás e ver que está distante.

É a ausência de um abraço,
um apelo por um aconchego.

É aprender a conjugar os verbos no passado.
Como se fala mesmo quando algo ainda vai acontecer?
Esqueci.

É ter que fechar os olhos para enxergar.
Olhos abertos já não captam nada.

É aquela blusa velha, suja, rasgada que você não abre mão.
Um cordão que não sai do pescoço.

Uma frase melancólica escrita e reescrita em todas as agendas.
Sem destinatário.

É escutar Tim Maia,
Zeca Pagodinho.

É o colarinho da cerveja.
Agora só bebo sem essa espuma branca.

É questionar a fé, a igreja, o médico, o amor.
Cadê? Quem me roubou?

E, pra mim, é aquela velha disputa vasco e flamengo.
Isso não é sobre o que foi amor.
É sobre o que sempre será amor.
É sobre a saudade.

Eu sou um direito humano

Eu sou muitas coisas e deixo de ser várias todos os dias. 

Eu sou branca, negra, índia, oriental. 
Eu sou hétero, bissexual, homossexual.
Eu sou católica, umbandista, budista, ateia. 
Eu sou feminista, humanista, humana. 

Eu sou da tolerância, do respeito, da diversidade.
E não me envergonho de ter várias faces, vários jeitos, vários rostos, vários tipos. 
Sou uma diferente a cada dia.
Em cada dia eu adoto um ser diferente.

Eu me orgulho de conseguir ser diferente.
Eu me orgulho de respeitar quem é ainda mais diferente.
Eu sou muitas coisas, sou muitos dias, sou muitas vidas. 
Eu sou muitas vontades, muitos desejos, muitos sonhos.
Eu sou alguns tropeços, muitos erros, muitos pedidos de desculpas.
Eu sou uma incerteza sem fim, talvez termine, talvez perdure. 
Eu sou mortal, eu sou humana.

Dizem que eu sou mulher, mas vai que, em algum universo paralelo, eu seja um homem.
Vai que eu seja transsexual. Vai que eu seja um animal. 
Irracional. 

Eu poderia ser tantas coisas que nem sei direito o que eu sou.
Eu poderia ser respeitada, mas parece que estamos nos afastando disso.
Eu poderia ser livre, mas parece que andam querendo cortar minhas asas. 
Eu poderia ser só amor, mas ando recebendo pancadas de ódio.

Só que, de tudo o que sou, algumas coisas eu nunca seria.
Eu nunca serei um "câncer gay".
Eu nunca serei uma "amaldiçoada". 
Eu nunca serei uma "aberração". 
Eu não fiz a "escolha" da minha sexualidade.
Eu não tive o "azar" da minha cor. 
Eu não estou "atrapalhando a constituição da família".
Eu não sou machista, homofóbica e racista. 

Eu não sou essa piada do "Direitos Humanos"
Eu não sou Marco Feliciano
E Marco Feliciano não me representa
(e nunca representará nenhuma das milhares de coisas que posso ser)

Ao infinito e eterno além


Por um dia das mulheres que nunca termine.
Se ontem nós recebemos flores, o que recebemos hoje?

O dia da mulher, teoricamente, já passou. Só que eu não aceito para mim somente um dia. Não aceito um dia feito para mim, embora entenda sua complexidade e seu significado. Aceito, até, uma data para comemorarmos, mas não uma data para que me respeitem. Eu quero um dia das mulheres sem fim, que comece hoje e termine nunca!


Cartaz em homenagem ao dia das mulheres nas paredes da UFF

Há quem leve a namorada em um restaurante caro para comemorar o dia das mulheres. Outros compram flores para as amigas, colegas de trabalho e professoras. Alguns ainda perdem o tempo fazendo piadas sem graça e machistas em redes sociais e mesas de bar. 

Eu, mulher, não quero um restaurante caro, uma rosa, uma piada. Eu, mulher, não quero um dia para mim. Esse dia é para as outras. É para as mulheres que morreram lutando por suas vontades, que foram mortas naquela fábrica. O dia das mulheres não é para a mídia falar que "fazemos as unhas e a diferença". Não é para ficar ouvindo que "os outros dias são dos homens". 

Eu, mulher, quero respeito no dia das mulheres, mas também quero respeito em todos os outros dias. Eu, mulher, não quero ser lembrada e enxergada somente no "meu" dia. Não quero que doem esse dia a mim. Afinal, o dia é posse de quem para poderem me doar dessa maneira? Sou dona dos meus próprios dias e sou sujeito deles. Sou protagonista, não figurante que ganhou um dia comemorativo. 

Não quero ser lembrada por fazer as unhas e a diferença. Não quero ser lembrada como "costela do homem". Não quero ser lembrada como "a esposa de fulano". Eu sou além disso, mais que isso. Não sou "algo de alguém", sou toda minha. Faço parte das vidas dos outros, mas tomo conta da minha. 

Então, que o dia das mulheres não seja de presentes e agrados. O que desejo é que no dia das mulheres não haja uma única mulher que apanhe, que não haja mulheres morrendo, mulheres sendo estupradas. Que não haja mulheres sendo podadas de trabalhar com algumas profissões. Que não haja mulheres morrendo em abortos clandestinos. Que não haja mulheres trans sendo chamadas de "ele". Que não haja preconceito e diferenciação entre mulheres cis e trans. Que não haja violência contra a mulher. Que não haja esteriótipos de gênero. Que não haja "sexo frágil". Eu quero que, no dia das mulheres, todas as mulheres sejam livres. Livres para trabalhar com o que quiserem, livres para usar a roupa que quiserem. Livres para entenderem que a vítima de estupro é sempre VÍTIMA! Livres para serem felizes, se divertirem. Livres para casar, livres para terem filhos. Livres para serem solteiras, livres para não terem filhos. Livres para adotar. Livres para amar. Livres para serem heterossexual, homossexual, bissexual, assexual. Livres. Livres. Livres.

Eu quero que esse dia das mulheres comece hoje e não termine nunca mais! 

Temporada de tintas


Existe uma grande preparação por trás do vestibular. É uma dedicação completa. Não são só mais horas de estudo, como um preparo físico para enfrentar as muitas horas de prova. Tem que aprender a controlar o tempo e o nervosismo. A maior parte dos participantes do vestibular são adolescentes. Jovens com intermináveis sonhos na cabeça, com planos pra vida que está apenas começando. Não dizem que a felicidade começa na faculdade? É na faculdade que você começa a estudar o que gosta e começa a ganhar sua independência.

Então, você passa no vestibular. O curso que você tanto sonhou e em uma das maiores faculdades do país. Você vai estudar em uma universidade federal e começa a imaginar que todos os seus sonhos estão encaminhados para virarem realidade. Só que não são sonhos normais. Não são sonhos utópicos. Você mereceu que o seu nome estivesse naquela lista. Você lutou por um sonho e o conquistou. Nada foi entregue a você sem um custo.

Só que tem gente que acha que pode abusar de você pois chegou naquela universidade antes. Então, você que estudou e se esforçou para entrar na faculdade, tem que encarar um trote humilhante. Todos os anos vemos brevemente pelos noticiários a notícia de que alguma coisa deu errado em um trote. Calouros que se feriram, calouros que foram humilhados, calouros que morreram. Você, que batalhou para conseguir a matrícula na faculdade, tem que "pagar um preço" para ser aceito.

"Você não é obrigado a participar do trote". Ok. Não é obrigado, mas é uma cultura tão forte essa de que todos os calouros devem ser submissos aos seus veteranos, que a pessoa que se nega a participar dessa "tradição" é vista como antissocial e excluída pelos seus colegas de faculdade. Quem está cursando uma faculdade sabe como é complicado seguir em frente com os estudos sem amizades. Não consigo me imaginar indo todos os dias para Niterói se não tivesse amigos.

Então, mesmo que ninguém pegue o calouro pelo braço (embora eu ache que isso aconteça às vezes) e o obrigue a participar do trote, não quer dizer que o trote seja facultativo.

E como agora começou a temporada das tintas, o tempo do medo começa igualmente. Posso garantir que as garotas que foram aprovadas na USP de São Carlos não sabiam o que as esperavam quando acordaram para o primeiro dia de aula na faculdade. Elas não acordaram naquele dia e resolveram que iriam ser "bixetes" e iriam sorrir para todas as humilhações que estavam prontas para sofrer. Ninguém está pronto para isso. E quando um grupo de mulheres vai protestar em prol dessas meninas, são agredidas por um grupo de jovens que se acham melhor do que os outros por que entraram na faculdade antes, por que são veteranos.

Eu não acho que a solução seja proibir o trote. Os crimes cometidos nesses trotes já são proibidos e isso não impediu que fossem cometidos. Matar, torturar, ferir. É tudo crime, tudo proibido e mesmo assim continua a acontecer durante os trotes. O que deve ser feito é uma punição mais severa para esses todo-poderosos-veteranos. Os garotos que ficaram pelados e agrediram as protestantes feministas, os veteranos que causaram a morte do calouro de medicina há alguns anos e todos os que apoiam e fazem parte desse tipo de "iniciação" na faculdade devem ser punidos. Devem responder por tais atos perante a lei e essa lei deve ser cumprida. Só quando o trote humilhante, perigoso e violento for devidamente punido é que vai haver conscientização.

A questão é que existe essa cultura que diz que quem está há mais tempo na faculdade tem todo o direito de maltratar os novatos. Há essa cultura de que eles podem fazer o que fazem, então eles não se vêem como errados. Eles não se enxergam como os criminosos que são. O que precisa mudar é essa ideia de que o trote não é obrigatório e as pessoas só são humilhadas, machucadas e mortas por que permitiram serem tratadas dessa maneira. Há uma pressão para que você participe do trote e um medo de dizer que não quer fazer tal coisa.

Não temos que culpar as meninas que desfilam como "bixetes" e tiram as roupas e depois ficam reclamando que foram humilhadas. Elas foram humilhadas, não há o que discutir. Nomeá-las "bixetes" já é humilhá-las, rebaixá-las. O que deve ser feito é transformar essa cultura dos trotes. Não tenho nada contra a parte do trote de se pintar e ir pegar dinheiro para a festa. Sou contra a parte da cota que faz com que os calouros tenham muitas vezes que pegar dinheiro do próprio bolso para bancar uma chopada.

Eu tive a sorte de ter um trote consciente. Meus veteranos só pintaram quem queria ser pintado, nós só respondemos as perguntas que queríamos responder. Não há pressão alguma com quem não quis participar da brincadeira feita no primeiro dia de aula.

Eu sou contra o trote que aconteceu na USP de São Carlos esse ano.
Eu sou contra o trote que humilha, maltrata, machuca e mata.

Eu sou Eliza Samudio


Finalmente começou o julgamento do Bruno. Bem, pra começar a falar sobre o assunto, não irei me referir a ele como "goleiro Bruno" ou "Bruno do Flamengo". Não foi o time de futebol que cometeu o crime ou a profissão dele que o incentivou a realizar tal ato. Foi ele. Bruno Fernandes de Souza. Não essa imagem que a mídia criou, não esse excelente atleta que os fãs fazem questão de lembrar. Quando alguém rouba, ninguém está ligando se esse ladrão é um ótimo artesão. Quando alguém mata, ninguém está ligando se essa pessoa tem uma voz de anjo. Então, por que nesse caso as pessoas estão adorando separar o Bruno-assassino do Bruno-goleiro? É a mesma pessoa e eu não consigo separar essas duas linhas.

Esse crime é um pouco diferente dos outros pois se trata de um grande nome do futebol brasileiro. E mesmo que não queiram aceitar, o futebol é a alienação do Brasil. Oscar Pistorius matou a esposa e todos os comentários que vi foram de indignação. Ela era linda e não merecia ter uma vida destruída dessa maneira. Ele até era um bom atleta, mas como pode realizar tal ato? Com o Bruno é diferente. Eliza Samúdio era uma prostituta, atriz pornô, não sei ao certo, só sei que era uma "mulher da vida". E Bruno? Ah, o Bruno é um grande goleiro, tem que ser solto logo para poder voltar aos campos e defender todos os gols. 

Entendeu a diferença? 

Tem gente enxergando a popularidade e habilidade do Bruno com o futebol maior do que o direito de vida de Eliza. E tem gente que não vê maldade nisso. Não vê problema em querer que um assassino esteja nas ruas. A questão é que essas pessoas tem a dificuldade de enxergar o Bruno como tal coisa. 

Assassino é uma nomenclatura muito forte e, sem corpo, gera uma dificuldade de ser aceita. Some isso com a falta que o Bruno faz no futebol e você terá uma parcela das pessoas querendo sua liberdade. Deixar livre um homem que foi capaz de matar a mãe do próprio filho. Deixar livre um homem que foi capaz de acabar com a vida de uma jovem. E não, mesmo que tentem justificar, é algo sem justificativa. Não me interessa o passado de Eliza, não me interessa se ela deu o "golpe da barriga". Para ter um filho é necessário duas pessoas e o Bruno foi uma delas. Agora imagina como vai ser aterrorizante para essa criança crescer e descobrir, mais cedo ou mais tarde, que sua mãe foi assassinada pelo seu pai. E não só o filho deles, mas como qualquer criança vendo um crime desses sair impune. Alguns anos na cadeia não vão apagar o que esse homem fez. Alguns anos na cadeia não vão diminuir a dor de uma família que perdeu a filha, de um filho que perdeu a mãe. Alguns anos na cadeia não vão anular o crime que o Bruno cometeu. 

Aqui no Brasil o crime é banalizado. Uma vida não custa nada e um assassino raramente paga pelo crime. Melhor, se me permitem, um assassino nunca paga pelo crime. O que seria necessário uma pessoa que mata a outra sofrer para pagar por isso? Eu não acredito em pena de morte, não pelos direitos humanos ou coisa parecida, mas por que matar esse assassino é impedir que ele cumpra sua sentença. Eu acredito na prisão perpétua, pois ali sim o assassino vai ter um bom tempo para pensar no que fez e rever seus conceitos. E não, eu nunca perdoaria um assassino. 

Só que, infelizmente, não é isso que acontece no Brasil. Aqui, depois de passar vários anos esperando o julgamento, depois de recorrer de todas as formas, esse criminoso não passará mais do que 40 anos na prisão. Temos então que somar o "bom comportamento" e ele conseguirá um regime semi-aberto. Bom comportamento? Como um assassino terá bom comportamento? "Ah, ele não matou nenhum coleguinha dentro da cadeia, já pode viver novamente em sociedade". Não existe bom comportamento para quem já matou da maneira que Bruno matou. 

Então, se vocês se vêem no direito de querer que o Bruno ganhe liberdade para voltar aos gramados e jogar o futebol, eu tenho o direito de não querer que um assassino faça parte do maior entretenimento brasileiro. Eu não quero um assassino nos campos de futebol. Eu não quero um assassino livre. Não quero mais um motivo para ter medo de andar nas ruas. Eu quero acreditar que a justiça, às vezes, funciona. E se não acontece nos casos pequenos, aqui do meu bairro ou do seu, onde um marido mata a esposa e aparece esse tal de "crime passional", que pelo menos aconteça nesses crimes que são estuprados pela mídia. Que pelo menos esses crimes que passam na televisão sejam levados à justiça. 

"Bruno chorou no primeiro dia de julgamento"
Eis a manchete do jornal da noite. 

Bruno chorou. Bruno está arrependido. Bruno quer voltar a jogar futebol.
Eu só acho que a Eliza também queria muitas coisas e uma delas era sobreviver. 

Lara Croft didn't need a reboot. Tomb Raider did.


Em time ganhando não se meche? Então, tem gente que não anda pensando assim.

Desde que Tomb Raider foi criado em 1996, Lara é um ícone no mundo dos games. Entrou no Guiness Book como a heroína mais bem sucedida no mundo dos jogos. Teve a primeira grande recaída após o fracasso que foi TR 4: The Last Revelation (matar a personagem principal não é uma coisa legal. Isso é pra você também God of War 3!). Entretanto, após uma reformulaçãodemorada dos jogos, Tomb Raider voltou ao ápice.

A grande questão é que, com todos os fracassos e alguns jogos ruins, Lara Croft sempre foi a mesma. Inclusive no The Last Revelation, quando ela ainda é uma menina sendo guiada, a personalidade forte de Lara está presente, o instinto de sobrevivência e a imagem de uma mulher forte. Agora, 17 anos após o nascimento dessa heroína, querem desconstruí-la. Não somente querem, como o fizeram. Assim que o jogo "A Survive is born" for lançado, em março, irei comprar e jogar. Só que o que já vi sobre a nova Lara, me decepcionou.

21 anos, perdida, fraca, inocente. Lara não é mais uma guerreira, mas uma adolescente perdida na floresta e que somente quer sobreviver. Lara que, antes, nunca precisou de ajuda, agora passará uma fase inteira procurando por alguém que possa salvá-la. A imagem de mulher forte, independente e guerreira se esvaiu. Antes, o que mais me perturbava era a ausência das características físicas e dos objetos clássicos; a trança, a mochila, as pistolas, os peitões. Agora, preocupa-me o motivo de terem retirado a minha Lara de mim (e de todos que crescemos jogando TR).

A cada novo vídeo ou texto que leio sobre essa "nova" Lara Croft, sinto que simplesmente acabaram com Tomb Raider, roubaram sua história e colocaram uma garotinha qualquer para ser personagem jogável. Em que planeta uma garota daqueles iria sobreviver em uma ilha perdida? Lara sempre foi foda por ser a Lara; por ser uma mulher que poderia ser sexy, sem perder a garra. Uma mulher que poderia ser guerreira. Uma mulher que poderia ser mulher sem ser indefesa.

É impossível não fazer uma comparação mental entre a Lara-criança de antigamente e essa Lara-adolescente de agora. A menina de duas tranças que se perde do guia e rouba a mochila de uma caveira era muito mais Lara do que essa garota de cabelos curtos que não sabe nem andar direito. Quiseram colocar realismo no jogo, mas o que fizeram foi retirar completamente toda a personalidade da Lara. Se antes ela já era uma personagem-objeto graças as suas roupas curtas, seios enormes e pernas torneadas, agora ela é um masturbador mental para os que querem ver a fragilidade feminina em jogo (literalmente). Usam a desculpa de que o jogo tornou-se realista, mas guardam o esteriótipo de que uma mulher como a Lara de sempre não poderia existir. Uma mulher com as feridas de Lara, seria uma guerreira. Só que, na visão desses mascus, mulher não pode ser racional o tempo inteiro. Sem a fragilidade, Lara não seria real.

Tomb Raider precisava ser refeito. Precisava de gráficos melhores, enredos mais elaborados e um jogo maior. Tomb Raider precisava ser revisto, reanalisado e remontado. Lara Croft já estava pronta, não precisava de acréscimos nem débitos. Não precisavam mexer na personagem, mas sim na forma como o jogo é montado. Ao invés disso, preferiram mudar a forma como ela reage no jogo. Tiraram a minha guerreira e jogaram no lugar uma mulher que simplesmente não se encaixa no contexto.

Lara não é frágil. Nunca será.

Eu sou Santa Maria


Embora eu sempre goste de fugir do óbvio, dessa vez serei o mais clichê possível. 
Sempre depois das tragédias, há chuva de palavras. 
Então, 
Essas são as minhas. 

Logo após o incêndio da boate Kiss, comecei a ler alguns textos sobre o desastre. São textos cheios de revolta e isso acalma um pouco o meu coração. Saber que a dor do outro ainda pode doer em nós é a forma mais significativa de saber que estamos vivos e que ainda vale a pena viver. A grande questão que me preocupou são as pessoas fazendo piadas. Entretanto, não somente isso; preocupa-me também aqueles que falam mal dos que fazem piada.

Certa vez li que a morte é uma piada pronta (não me crucifiquem, adoro os textos do Pedro Bial). Outra vez, li que piada é tragédia + tempo. Sempre concordei com a frase de Bial, mas não somente com a frase como com o texto todo. Lá ele explica que você programa não somente uma vida, algo tão grandioso, metas tão longas, mas também planeja o dia-a-dia mais cinza que possa existir. Nem que seu maior objetivo seja conseguir almoçar antes das oito da noite, é um objetivo. Então, você morre. Sem a melhor parte da festa e deixando todos os objetivos de lado, largados, abandonados, esquecidos, apagando-se.

Chega, então, a questão de que a piada é uma conta matemática. Uma soma entre tragédia e tempo. A tragédia seria a parte negra do humor, tão aplaudido e adorado. O tempo seria aquele espaço entre o xingamento e a risada. Hoje eu entendi que isso é realmente verdade.

Não gosto de piadas com tragédia, homofobia, machismo, racismo. Já escutei críticas de que, então, eu não gostava de rir. Muito pelo contrário. Eu amo rir, cair na gargalhada, perder o ar. Adoro sentar com os meus amigos e ficar ouvindo besteira, rindo um da cara do outro. Mas não consigo fazer o mesmo quando estou sentada na frente de um computador vendo piadas preconceituosas e completamente sem escrúpulos.

Hoje de manhã, enquanto me arrumava para ir pra faculdade e passeava pelo facebook, vi uma postagem de uma foto em que tinha diversos "tipos" de xadrez. O último era o xadrez do norte americano; sem as torres. A pessoa que compartilhou (ou postou, não lembro) aquela foto era a mesma que criticava os que ficavam fazendo comentários de que gaúcho adora churrasco. Quer dizer que pisar na dor das famílias dos jovens da boate Kiss não pode, mas pisar na dor das família do atentado do 11 de Setembro pode? Foi então que entendi que a piada é realmente a matemática tragédia+tempo.

Daqui a alguns dias, ou meses, se ainda lembrarem que ocorreu um incêndio grandioso e que centenas de jovens que estavam apenas começando a vida morreram, farão piadas sobre isso e ninguém virá com trinta pedras na mão. "Ah, agora pode, o luto passou". A grande questão, na minha opinião, é que o luto não passa. Não é uma doença que pode ser medicada e ela vai embora para nunca mais voltar. O luto, se comparado com uma doença, é a depressão. Uma vez na fossa, não há como sair. Há como dar uma observada na superfície, mas algo sempre vai te puxar para as profundezas. É escurinho, tão aconchegante... Então, alguém, que você mal conhece (ou não conhece), com tempo livre de sobra, uma vontade de fazer piada sobre tudo, começa a caçoar do motivo da sua dor. Não para te ofender, mas para não perder a piada.

Então, me preocupa não somente quem faz a piada e quem ri da mesma, mas quem a critica dois dias depois da tragédia. Sobre meu coleguinha que compartilhou a piada e não viu mal algum, será que ele aceitaria a mesma piada no final de 2001? Pra mim, a piada é horrível em qualquer época. Pisar em alguém para fazer os outros rirem, simplesmente não tem graça. Comediante que usa esse tipo de humor para se promover, não merece o seu aplauso ou a sua risada. Não merece seu ibope e o seu dinheiro. Merece nosso desprezo. Merece nossa pena. Afinal, que valor terá a vida para alguém que ri da morte de terceiros?

E, para terminar, não me venham com aquela frase de que "É só uma piada"; "Piada sempre ofende alguém". Se nós temos limites, se nós não podemos sair ofendendo todo mundo, então a piada também não pode. A piada não é carta branca para poder falar o que quiser. Chego a achar meio doentio quem gargalha verdadeiramente desse tipo de piada. Chego a ter medo de quem entende a gravidade da situação, entende do que a piada fala e mesmo assim ri. Pessoas assim me assustam.

Podemos ficar calmos.
Em breve o "luto nacional" passa .
(Dedico a todos que se sentem ofendidos por piadas)

Isso não é piada


Vamos relaxar que tudo não passa de uma grande piada...
Só esqueceram de me avisar quando era para rir. 

Escuto gente por aí falando que piada não tem limite. Que humorista tem carta branca para falar o que quiser. Há quem diga que piada não ofende. Só que, espera um minuto... Ela me ofendeu!

As piadas são a forma de enxergarmos mais claramente os esteriótipos que a nossa sociedade criou. Loira burra... quem não conhece algumas, né? De um lado é um comediante fazendo piada com grávida, ofendendo-a diretamente. Do outro lado, outro comediante falando para alguém come-lo para ele ficar "protegido". Bem, se essa piada é permitida, para mim, ela não tem graça. Qual a graça de ofender alguém, afinal? A graça de se sentir superior não pelo seu esforço, mas pelo fracasso alheio? A graça de fazer alguém descer alguns degraus só pra você ganhar impulso?

Dizem que eu exagero, que piada é só piada, que o politicamente correto agora virou moda. Só que se comediante não tem limite, vamos todos fazer piada e deixar o mundo afundar. Quando você faz uma piada para um grupo de amigos, ela pode ter um pouco mais de veneno. Você conhece a pessoa que está escutando, você sabe que ela não vai entender de maneira erra (ou supostamente sabe). A questão é que quando você fala para uma massa, uma piada torna-se uma verdade. Uma mentira, mas repetida tantas vezes, com tantas gargalhadas nas entrelinhas, que as pessoas passam a se perguntar "bem, se ele pode falar isso, por que eu não posso?"

Podem me chamar de careta e antiquada o quanto quiserem, piadas que representam uma falta de respeito sem tamanho formam preconceito e eu sou contra qualquer tipo de preconceito. Então, não esperem que eu seja público de comediantes que acham que podem fazer piadas da dor dos outros. Então, não esperem que eu esteja na primeira fileira aplaudindo um humor negro. Eu não irei aplaudir nem me calar. Eu vou criticar. Por que se pelo menos uma pessoa parar de rir dessas piadas, eu já fico feliz.

Se fosse você que pudesse morrer a qualquer instante somente por ser gay, se fosse você que fosse ofendida em rede nacional, se fosse você que se sentisse menosprezado por qualquer piadinha infeliz, você iria levantar bandeira contra esse comediante. Eu levanto bandeira contra esse tipo de humor, que ofende e acham que não tem limite. Humor tem limite!

Essa piada não teve graça. 

Conselho, às vezes, é bom


Fui questionada acerca dos meus planos e desejos para esse ano que está começando. A doce menina com quem conversava queria a mesma coisa que eu: sentir! O que seria sentir, afinal? Esbarro na parede do meu quarto e eu sinto. Não é esse tipo de sensação que me falta. Não é o tato que me falta. Falei que queria sentir dentro de mim, aquelas borboletas no estômago que todo mundo tanto fala, aquela sensação de estar caindo de um prédio. Ando sem medo de cair e isso é perigoso. A queda não me assusta se eu puder me jogar, sentir o vento no rosto e quase quebrar a coluna na queda. Figuradamente, lógico.

Sentir seria voltar a interagir com as pessoas. Claro que tenho amigos e converso com eles, mas sempre fico na dúvidas se os conheço e se eles me conhecem. Será que alguém me conhece? Duvido muito. Nem eu mesma me conheço, vivo escondendo-me de mim mesma. Às vezes, quero fugir. Fugir de mim, como nos sonhos. Ando sonhando mais acordada do que durante a noite. Não ligue pros sonhos de quando estou dormindo, raramente consigo controlá-los. Gosto de ver meus pensamentos dançando livremente, sabendo que se eu não gostar do resultado é passar uma borracha e mudar o meu próprio destino.

Sentir seria puxar os sonhos para o chão, colocá-los no real, deixá-los sair do papel. É lutar pelo o que se quer, ir atrás do que acha certo e renovar-se todos os dias. Não ter medo da mudança; somos feitos de mudanças. Não deixar que o orgulho te impeça de seguir em frente. Errou? Dá um passo pra trás e recomeça, ninguém tem nada que criticar. É exatamente isso: deixar de levar as críticas tão a sério.

Sentir é deixar de me levar tão a sério. Afinal, pra que dá valor pra tanta coisa, vamos valorizar só o que é digno de tal ato. Vamos voltar a ser criança por alguns dias, vamos brincar de pique e soltar pipa? Não vamos ficar sérios por tanto tempo, o nosso sorriso é tão bonito quando é sincero. E tá faltando sinceridade nesse sentimento, então adiciona aí na lista a meta de parar de mentir tanto.

E no meio da dúvida sobre o que seria sentir e sobre o que eu quero para 2013, recebi um conselho que simplesmente tocou a minha alma: "Se joga, arruma um meio amor por aí e guarda o coração para quando der pra amar". Resolvi levar a risca. To deixando pra lá, me jogando naquilo que me dá vontade. Eu quero? Estou indo atrás, cansei de esperar vir ao meu encontro. Vou encontrar um meio amor aqui e outro ali... Duas metades é igual a um inteiro? Não sei, mas estou querendo descobrir. O coração? Está bem guardado aqui dentro e ele só vai dar o ar da graça quando valer a pena. Esse ano não é para sofrer, então vamos sorrir!

Eu não sei o seu nome, 
mas você me deu um conselho bom.
Obrigada. 

Mas sei seu tumblr, vale? (http://flor-de-papel.tumblr.com/)

Todas somos de verdade


Só sei que eu prefiro mulher de verdade.

Aquela mulher que se dá valor, se dá ao respeito, não sai com qualquer marmanjo que chega nela, usa vestido que cobre suas coxas, não tem tatuagem, não gosta de chamar atenção por onde passa, mas é bonita. Sabe aquela mulher que todas querem, no fundo ser? É inveja pura quando falam mal dela, afinal, ela é perfeita. 

"Mas, cara, e aquela gostosa que você pegou ontem na balada?" Ah, conheci ela na academia e ela ficava me olhando, estava doidinha para dar pra mim. Não deu outra, não é? Encontrei ela na balada e nem precisei gastar minha lábia, já veio todinha pronta pra mim. E acredita que a vadia deu pra mim no primeiro dia? Muito piranha mesmo! 

A "gostosa" é só isso mesmo: um pedaço de carne e somos todos canibais. 

"Ah, teve aquela também que você conheceu naquela convenção de tatuagem." Então, cara, conheci numa convenção de tatuagem. Ela tinha um dragão tampando as costas toda, acredita? Gosta muito de chamar atenção, tem um gosto estranho, acredita que ela acha que mulher pode ser tão pintada quanto homem? Não, não dá para levar a sério uma mulher que tem mais tatuagem que eu e que fica falando que o corpo dela é uma tela de pintura. 

"Tinha também aquela que chegou em você naquele outro dia." Como vou dar moral para uma mulher que chegou em mim? Atirada, vadia, oferecida! Se eu a quisesse, teria chegado nela. Mulher tem que aprender a ficar mais calada, andam falando demais. Andam se oferecendo demais. Aquela ali é vadia para uma noite só. 

"E como era o nome da outra? Ana, eu acho..." A Ana? Sério que você quer lembrar da Ana? Ficava me mandando mensagem no celular, no facebook, me ligava, não parava de me dar condição, mas quando a gente saia ela tava sempre com um vestido curto, um short micro. Não, não dá para levar a sério uma mulher que, claramente, é uma vagabunda. 

"Fiquei sabendo que a Lurdes também estava afim de você" A Lurdes? Só que, cara, ela é feia! Fim de jogo. 

Quando cria-se a imagem de "mulher de verdade", cria-se juntamente a ideia de que existem mulheres que não são de verdade. A gostosa da academia, a tatuada, a feia, a de atitude, a que usa roupa curta. Uma só serve para transar, a outra só para a carência, outra é amiga, outra só por uma noite, a outra nem para isso. Deixa eu ver se entendi, então: A mulher de verdade seria uma mistura de todas as mulheres de mentira. Entendi, entendi! Não, mas espera aí. Laura é gostosa e, por isso, não é mulher de verdade. Você não frequenta academia também? Alias, a mesma que ela... Que vergonha, você não é homem de verdade! A Madalena tem um dragão tatuado e, por isso, não é mulher de verdade. Você tem um tribal nas costas e, que vergonha, por isso, sinto ter que te informar, mas você não é homem de verdade. A Felipa chegou em um homem e, por isso, não é mulher de verdade! Você chegou em trinta outras mulheres e nossa... Não é homem de verdade! A Ana usa roupa curta e, por isso, não é mulher de verdade! Você anda sem camisa, não pode ser considerado um homem de verdade! A Lurdes é feia, coitada, nunca será mulher de verdade! Você se acha bonito, se acha gostoso, se acha atraente, mas Paula só gosta de mulheres e, para ela, você é feio. Não é homem de verdade! 

Para homem não se aplica a dúvida da "veracidade" dele, não é? Só no caso de ele ser homossexual, aí ele vai ter realmente que aprender a ser homem de verdade, pois nasceu homem, mas escolheu ser mulher. Então não é nenhum dos dois, certo? E travesti, então? Tentam e tentam ser mulher, mas são homens... de mentira! 

Quando algo é de "verdade", todo o resto é de "mentira". Nesse jogo de julgar o que é real e o que é falso, ficou em mim a dúvida se sou ou não mulher de verdade. Sempre disse que queria gente de verdade na minha vida, mas afinal, será que a mentira é tão ruim assim? Ou melhor... existe gente de mentira? Por que as Lauras, Madalenas, Felipas, Anas e Lurdes são tão mentirosas assim? Por que elas são tão inferiores àquele molde lá do início do texto? A mulher submissa é a mulher de verdade? 

A questão é que eu sou de verdade, eu sou de carne e osso, eu tenho minhas ideologias, eu tenho minhas vontades, meus receios, meus medos, meus desejos. Eu tenho meus arrependimentos e meus sonhos. Eu sou tão repleta de incertezas que, talvez, quem sabe, se o tempo deixar, eu encontre algumas respostas pelo caminho. Em contrapartida, eu tenho planos de tatuagem, eu já cheguei em homem, eu ando de roupa curta. Enquanto ficam me considerando mulher de mentira, eu sei que sou de verdade. E todas somos! E não somente nós, nossas irmãs trans também são mulheres de verdade. 

Mulher de verdade é a mulher que sabe ser ela mesma. Mulher de verdade é ela, não outra. Mulher de verdade se molda, não é moldada. Mulher de verdade é quem ela quiser ser. Somos todas mulheres de verdade! 

Deixa que a minha roupa eu mesma tiro!


Uma das frases que mais me irrita é uma das que eu mais escuto: "Adora falar que mulher não é só peito e bunda, mas vai pras ruas mostrar o peito e a bunda". 

Fiquei pensando em qual seria a razão para a nudez feminina ser motivo de tanta revolta. Então percebi que o problema não é a mulher estar pelada. 


A grande questão não é uma mulher mostrar os seios. Não há problema nenhum em uma mulher, no Brasil, deixar os seios de fora. A problemática está no motivo pelo qual isso acontece. Tenho visto na internet várias reclamações sobre a forma de protesto da "Marcha das Vadias" e o foco das críticas é no fato das mulheres não se darem ao respeito e ficarem peladas no meio da rua. "Que falta de vergonha na cara!". A mulher está lá para gritar para todos esses hipócritas do nosso cotidiano que o corpo é dela, que ela sente calor também, que ela não é inferior, que ela não vai ficar calada, que ela vai lutar! É aí que está o problema.

A reclamação vêm criticando a ausência de vestimenta, mas, na verdade, quer dizer: "Você não pode ficar pelada quando deseja, na frente de quem quer! Afinal, o seu corpo não é seu... é NOSSO!" A sensação que tenho é que eu posso fazer tudo, desde que eu não grite aos sete cantos da terra que estou fazendo por mim e não pelos outros. Explicarei. Nossa sociedade quer ver peito de mulher. Globeleza no intervalo do desenho do seu filho? Pode! Mulher desfilando pelada no carnaval? Pode! Filme da Bruna Surfistinha ser quase um filme pornô? Pode! (não estou criticando nada disso, adoro carnaval e me amarro no filme da Bruna Surfistinha). Só que agora, amamentar em público? Que descarada, vadia, sem noção! Por que ficar mostrando esses peitos murchos? E ir para as ruas mostrar os peitos? Pra que?? Vai arrumar uma louça pra lavar que é o melhor que você faz! 

Crescemos com a noção de que o homem tem total posse sobre seu corpo, mas a mulher mal tem o direito de dizer "não". Quantas vezes ouvi comentários na praia, acerca de mulheres sem a parte de cima da roupa de banho, que diziam: "Ah, também odeio marca de biquíni" ? Eu sei essas mesmas pessoas criticam se passarem pela rua duas quadras depois da praia e encontrarem com uma mulher só de biquíni. Por que a nudez na praia pode? 

Então eis a conclusão: Todos querem ver mulher pelada. 

Mulher pelada faz sucesso, dá audiência, excita. Mulher pelada é propaganda, vende mercadoria, traz turistas. Mulher pelada é uma maravilha. Mulher pelada, entretanto, tem que se despir para um público que quer ver pele, não roupa. Mulher pelada tem que estar despida por que a despiram. Mulher tirar a própria roupa? Nunca! É essa a questão. Mulher não pode estar pelada para si. Afinal, mulher não tem que querer nada, tem apenas que satisfazer essa sociedade machista na qual vivemos, certo? Errado. Mulher tem que estar da forma que quiser. Burca, shortinho ou com os seios de fora. Mulher tem que aprender a se despir e impedir que os outros arranquem suas roupas. 


Qual a sua vogal?


Hoje eu me apaixonei. Não foi a primeira vista, demorou muito tempo para acontecer. Talvez, quem sabe, tenha acontecido até rápido demais, eu é que não quis, de forma alguma, aceitar. Hoje eu aceitei. Ele é gentil, gosta de me fazer sorrir mesmo quando todo o resto do mundo parece gostar de armar um circo para me fazer chorar. Ele é carismático, precisa ver o quão apaixonante é aquele sorriso dele. Ele é romântico, esses dias ele me mandou uma rosa, me deu escondido, ficou com medo da minha reação. Eu o assustei com o meu jeitão de ser, não o culpo, assusto até a mim mesma às vezes.
Esse cara surgiu na minha vida como um amigo, eu juro que nunca o imaginei como algo a mais. Acho que ele também não imaginava que fossemos ter algo a mais. Primeiro ele ganhou minha confiança, minha amizade, depois meu coração. Tem coisa melhor do que se apaixonar por uma das pessoas que te conhecem melhor? É como se você não precisasse esconder seus defeitos; ele sabe todos os meus e mesmo assim me ama. 
Esse cara faz minha vida um clichê de filme/livro água com açúcar. No fundo, todos gostamos da parte em que somos felizes para sempre. Não sei se será para sempre, mas a parte do "felizes" está perfeitamente adequada. Ele sorri pra mim e parece que todo o resto do mundo diminui. De repente, somos só nós dois, sentados na grama, olhando nos olhos do outro e, sem precisar falar uma única palavra, nos entendemos. 
Esse cara fez com que eu revisse todos os meus preconceitos. Algumas coisas nele, eu jurei nunca aceitar, nunca gostar. Só que... até que aquelas músicas que eu odiava não são tão ruins assim. Ele me fez gostar. Até que aquele cabelo que, antes, era tosco não me parece tão abominável mais. Até aquele chiclete de canela, horrível, intragável, fica com gosto de morango quando é misturado ao beijo dele.
Esse cara, meu, esse cara é perfeito. É perfeito e cheio de defeitos, mas eu consigo amar cada pequeno erro dele. Adoro como nos completamos, como corrigimos um ao outro sem parecer que estamos cobrando perfeição. A nossa perfeição é completamente diferente do que nos foi ensinado. Eu não sou linda, ele não é forte, mas algo dentro de nós parece acender toda vez que trocamos olhares.
Esse cara me faz bem, como nenhum outro conseguiu fazer. Ele é delicado, mas sabe me pegar pela cintura quando tem que fazer. Ele é amoroso, mas sabe dizer que estou errada, sabe me fazer ver que nem todas as minhas escolhas são as corretas, as melhores. Ele aceita quando piso no caminho errado e dou alguns passos. Ele me chama para voltar e mudar de caminho. Ele não me julga se eu aceitar que errei. Nem eu o julgo. 
Esse cara sorri pra mim e diz "querida, o mundo tá uma merda, mas uma hora melhora". Ele me abraça quando me olham estranho na rua por alguma roupa, alguma cor de cabelo, algo que não agrada a todos. E o abraço dele? É o melhor do mundo. 
Hoje eu acordei e não sabia o que fazer com tudo o que eu sentia. Parecia estranho amá-lo. Parecia errado. Só que estar sem ele também não parecia certo. É certo? É certo abrir mão de alguém assim? Alguém que te faz feliz da hora que você acorda até a hora que você vai dormir? Ele passa as mãos pelo meu cabelo e eu, que sempre odiei cafuné, chego a dormir. Hoje, quando eu acordei, queria tomar café forte, embora odiasse café. Queria despertar. 
Despertei. 
Larguei de lado todos os contos de fadas e encontrei com ele. 
Ele não é um conto de fadas, não é um príncipe encantando, nem eu sou princesa. Só que, em alguma parte do meu dia cheio de tarefas chatas, ele me completa. Esse amor não é paixão e eu agradeço por isso. A paixão eu deixei pra trás naquele copo de café forte que ainda está amargo na minha garganta. O amor ficou e eu pude comprovar que ele realmente é amor. Não farsa, imaginação, ilusão. É amor, na forma mais pura. Não é aquele amor de declarar com mil versos de músicas, mil textos, um flash mob no meio do shopping e um pedido de casamento no programa da Fátima Bernardes. É um amor simples, de morar junto e ser junto, mesmo quando estamos separados. 
Falei para ele que estava feliz. Ele sorriu. 
Falei para ele que não queria mudar nada.
Ele falou que queria mudar meu sobrenome. 
Brinquei de como aquilo era clichê, romântico, mas bobo, idiota até. 
"Minha idade mental é um pouco maior do que 14 anos, bebê, eu não acredito em diálogos perfeitinhos de tumblr.", eu disse. Ele revirou os olhos. 
Só que no fundo, eu queria mudar meu sobrenome. Na verdade, eu queria que a grama em que adorávamos ficar conversando fosse fora do nosso quintal. Eu queria que nossos dedos entrelaçados continuassem entrelaçados fora dos nossos muros. 
Juramos largar nossos próprios preconceitos. 
Saímos dos nossos muros, das nossas muralhas. 
Alvejaram-nos de olhares, algumas palavras afiadas, algumas acusações. 
Ele ainda queria que eu mudasse meu sobrenome, mas... Eu podia? 
Tentamos. 
Tentamos de novo. 
E vamos morrer tentando. 
Uma vogal nunca fez tanta diferença. 
"Vocês não podem casar". 
Mas eu poderia. 
Se o meu "ele" não fosse "ela". 


Esse texto é fictício. Eu não me apaixonei por uma mulher hoje. Mas com certeza outras mulheres se apaixonaram. E outros homens também.