Vamos nos amar?

domingo, 29 de dezembro de 2013
Recebi uma criação que valorizava muito o amor. O conceito de amar foi um dos primeiros que tive na minha infância. Era o amor de mãe, de pai, de irmã, de avó. Era o amor dentro da família, o amor na escolinha, o amor ao ver outros atos de amor nas ruas. 

Quando conheci o amor romântico, platônico, de filmes água com açúcar e contos da disney, conheci também o poliamor. Claro que não tinha a mínima noção desse nome e nem o encarava como uma questão política, mas eu já compreendia que o amor era plural demais para se manter monogâmico em mim. Quando amei pela primeira vez, a primeira pessoa, tive a consciência de que aquela não seria a última pessoa que eu amaria - e também entendi que podia me envolver e me relacionar com outras pessoas ao mesmo tempo. Quando eu amei e assumi esse amor, conheci dentro de mim as diversas formas que esse sentimento poderia ter. Com o passar dos anos, fui entendendo melhor sobre o que se tratava ser poliamor - e é uma realidade que hoje eu agradeço muito por viver.

A monogamia nunca foi algo que me chamou a atenção. Assim como também nunca me chamou a atenção a heterossexualidade. Não que eu seja contra essas duas coisas, só tenho um nojo muito grande por toda essa imposição massificada que fazem de ambas. Nossa sociedade prega que todas as relações devem ser heteronormativas (e isso acaba sendo refletido até em relações não-heteros) e que só há felicidade em relacionamento monogâmicos (causando uma relação e um sentimento de posse até em pessoas que vivem o poliamor). Sou contra regras pré-estabelecidas para moldar e guiar relacionamentos. Acredito que as pessoas são capazes de buscar e entender sua própria felicidade e podem muito bem descobrirem por si que tipo de relacionamento as fazem feliz. Para isso acontecer, é preciso que acabe essa imposição cultural de que todas as relações devem se encaixar em um molde heterossexual e monogâmico. Acredito que todas as relações devem ser instantâneas e, principalmente, espontâneas. Sorrisos ensaiados e discursos decorados não me transmitem o mínimo de felicidade - e não é felicidade que todos procuramos? E é vivendo em relações espontâneas que eu, bissexual e não monogâmica, posso me relacionar com alguém do sexo oposto ao meu e estar monogâmica - mas isso não é regra e muito menos uma imposição. 

Eu acredito numa construção mútua daqueles que estão no relacionamento. Isso quer dizer que eu não acredito em regras pré escritas, amores pré construídos e sentimentos ensaiados. Eu acredito em um amor livre, que consegue se desprender das amarras da sociedade e se livrar das hierarquias. Enquanto crescemos, cruelmente trocam o clichê de "você só pode ter um melhor amigo" para "você só pode amar uma pessoa". Dizem que se você ama duas - ou mais - nenhum desses amores é verdadeiro. O amor, que é o sentimento mais amplo e puro que conheço, não deveria ser tratado como algo tão limitado. Não acredito em um amor único e nem quero encaixar todas as minhas relações - sexuais ou não - em um molde idealizado por uma sociedade extremamente excludente e preconceituosa. O que sinto e vejo todos os dias são formas intermináveis de demonstrar os sentimentos mais belos. São infinitas formas de amar. Amar longe dos filmes infantis, dos encartes de jornal, das novelas do horário nobre. Amar longe das amarras sociais, longe das cobranças patriarcais, machistas e homofóbicas. Amar por quê é assim que se sente. Amar longe do amor romântico que é empurrado goela abaixo todos os dias. 

É preciso entender, com o máximo de urgência, que o amor e as relações sexuais não necessariamente andam de mãos dadas - e muito menos são inseparáveis. O amor, quando é vivido de uma maneira livre, se expressa de maneiras tão diversas como se é possível viver. O amor pode se expressar em um curto momento e nunca mais aparecer ou pode durar toda uma vida. O amor não precisa ser doloroso, sofrido e muito menos sangrento. Só que vivemos em uma sociedade que parece que quer culpar o amor - principalmente aquele que não é gerado por um casamento monogâmico e heterossexual. 

Talvez por ter sentido já algumas diversas formas de amar, eu não acredite no ciúmes como um dos patamares fundamentais de uma relação - e exatamente por esse caminho não gosto nem um pouco do conceito social de "traição", dado que não considero a fidelidade como fundamental. Considero a liberdade nossa forma mais verdadeira de felicidade. Quebro diariamente minhas correntes com o patriarcado, o machismo, o cistema, o racismo, a homofobia, o capitalismo. É papel fundamental meu, portanto, quebrar também diariamente as amarras que me prendem aos outros - as ligações continuam, mas as dependências vão embora. 

A monogamia carrega um ar de posse que nunca me encantou. Imaginar que meu corpo, meus pensamentos e meus sentimentos devem estar unicamente ligados à uma pessoa me apavora. Pensar que todas as minhas relações plurais devem ser deixadas de lado e esquecidas em prol de um amor que se deve ter como superior aos outros é uma atrocidade. Nenhum amor deveria ser posto em um patamar mais alto que os demais. Não é preciso hierarquizar os sentimentos e nem se cobrar saber quem é mais importante nas relações. Estar com outras pessoas - ou com uma outra pessoa só - é entregar seu coração por completo. Eu entrego o meu coração por completo para todas as pessoas que estão dispostas a dividir comigo um pouquinho de amor - e um pouco de amor é sempre sentimento demais, um mar de relações boas. O amor é plural e o amor só se soma, não é preciso dividir ou subtrair. Não é preciso limitar. 

Eu nunca entendi a heteronormatividade. Uma maneira de tentar moldar as relações, os sentimentos e as atrações. Uma forma de limitar todo um caminho que é possível trilhar e colocar uma culpa naqueles que amam sem se importar com o gênero da pessoa. Como se um órgão sexual fosse definir alguém - e não somente fazer parte desse alguém. Como se um sentimento tão puro como o amor fosse aniquilado por questões de preconceito sexual. 

Essa é a forma como eu encaro o amor - e ela funciona cada vez mais para mim. Eu entendi que não quero relações que são repletas de uma questão de posse ou superioridade. Eu entendi que não quero me limitar ou limitar meus sentimentos. Eu descobri que sentir é uma delícia e se permitir é algo maravilhoso. Longe de mim querer normatizar a poligamia e as relações não-heteros. Se é estranho... deixa ser! Eu não tenho a necessidade de normatizar as coisas. 

Pra mim, moças, moços e seres não binários, um amor bem poli, livre e não-heteronormativo. 
(e pra vocês também)