Voz masculina não protagoniza o feminismo.

terça-feira, 20 de agosto de 2013
Li quatro textos que estão em alta essa semana e percebi que algo alí me incomodava. Os quatro eram sobre o mesmo assunto, mas dois foram fervorosamente criticados e os outros dois aplaudidos. Pessoas comentavam desmerecendo frases soltas de dois textos, enquanto compartilhavam loucamente e jogavam confete em que escreveu os outros dois. 

O tema desses textos é polêmico - mas simples de ser entendido, o problema é que ninguém quer descer do patamar de seus privilégios para poder entender o contexto: Homens não podem protagonizar o feminismo. Os textos não tratam do assunto na mesma linhagem e nem todos citam esse protagonismo, mas é a mensagem que passa: a opressão de gênero existe e é atual - e já passou da hora de pararmos de duvidar da voz feminina e tentar calá-la. 

Existe somente um diferença gritante entre os quatro textos: Dois foram escritos por mulheres; dois foram escritos por homens. Preciso mesmo dizer qual foi fervorosamente criticado e qual foi aplaudido? 

Ultimamente tenho visto várias pessoas questionando o machismo na luta esquerdista - e isso é ótimo! Assim como vejo milhares de mulheres criticando a transfobia no meio lgbt e feminista - o que também é ótimo! Desnaturalizar essas agressões é preciso para que possamos tornar nossos movimentos cada vez mais plurais, igualitários e libertários. Então, é claro que o assunto é polêmico. Dizer que o homem não pode protagonizar o feminismo é fazer com que os reacionários voltem ao pensamento - se é que saíram dele - de que o machismo é o oposto do feminismo. Só que é um perigo que temos que correr. É preciso deixar claro quem tem que ter voz nesse movimento. É preciso deixar claro quem sofre constantemente nesse sistema patriarcal e machista que vivemos diariamente. 

Sejamos sinceros: Quem cala o homem?! O homem-branco-cis-hetero... quem o cala? Ninguém. Ninguém nunca negou a voz ou a veracidade do discurso desse homem. Não o apago da luta feminista, acho que é dever de todo cidadão lutar ao lado dos grupos de minoria social (e invisibilidade). Agora, a maior questão do feminismo é dar voz a mulher; voz essa que nos foi arrancada desde o berço. Voz que é negada às mulheres cis e, talvez, nunca tenha existido para as mulheres trans. 

Eu acho que existe um grande ponto dentro do feminismo: Lutamos pela voz da mulher, mas talvez o movimento ande esquecendo das mulheres não-cisgêneras. É preciso lembrá-las, abraçá-las, mas principalmente: Entregar um megafone nas mãos delas e deixar que elas exponham a transfobia que sofrem diariamente. É papel do feminismo entender a transfobia como um alvo a ser derrotado tão urgentemente quanto o machismo. 

Então, deixa eu voltar a falar dos quatro textos. Um é da Daniela Andrade e explica o papel do homem na luta feminista - simples, prático, didático e extremamente criticado ao dizer que não devemos tratar as mulheres como vítimas, mas como sobreviventes. Extremamente criticado também ao dizer que a mulher não é machista, pois o machismo é um mecanismo tão forte que faz com que o maior oprimido - as mulheres - tenham um apego e uma dependência para com esse sistema de opressão. A culpa não é delas - e é preciso deixar isso extremamente claro e visível. Outro texto é da Tanira Maurer que fala sobre a naturalização da violência contra a mulher - skatista que fez piada da agressão, a capricho que tenta transformar o estupro em matéria-prima para romance e também foi criticada pela parte que diz "isso só acontece com mulheres". Após as diversas críticas, Tanira ainda respondeu em outra postagem - também de forma bem clara, mas volto a dizer que é preciso descer de nossos privilégios para conseguirmos enxergar com clareza o assunto.

Yashar Ali falou sobre como as mulheres não estão loucas e defendeu que está mais do que na hora de pararmos de desvalorizar e desqualificar discursos levando em consideração o gênero da pessoa que o prega. É um ótimo texto que faz pensar todas as vezes que escutamos que nossos argumentos só eram tão fervorosos e "extremos" graças à nossa tão temida TPM. Henrique Marques-Samyn escreveu sobre os homens pró-feministas, deixando claro que o protagonismo do feminismo cabe somente à mulher. 

O assunto é polêmico por que os homens não estão acostumados a terem sua voz colocada para segundo plano. Nunca mostraram para os homens que a opinião deles, às vezes, não é a válida. Então, é gerada uma revolta toda vez que alguém fala que os homens não são protagonistas de algo - nesse caso, do feminismo. Só que é um assunto até bem simples de ser entendido, então vou usar outro exemplo: Sou uma mulher cis, tenho consciência de que isso me coloca em uma situação de privilégio em relação às mulheres trans. Eu apoio o transfeminismo, mas nunca poderei representá-lo. Eu não tenho meu gênero questionado diariamente, não sou chamada de "ele", não preciso reafirmar para o mundo que sou mulher. O mundo me enxerga como tal, então eu não tenho como entender e protagonizar um movimento contra uma opressão que eu não sofro. É o mesmo caso com o feminismo na luta contra o machismo; embora alguns homens também sejam atingidos pelo machismo, isso ocorre em uma escala extremamente menor do que ocorre com a mulher, além de que todos os homens são favorecidos por esse meio de opressão. Enquanto a exceção do machismo oprime o homem, é regra oprimir e inferiorizar a mulher. 

Nenhum dos quatro textos me incomodou - e nem discordo dos textos. O que me fez parar para pensar e querer escrever esse texto foram as opiniões tão diversas que esses textos geraram. Os textos - tanto das mulheres, quanto dos homens - foram criticados pelo assunto em questão. Tire a palavra final - e central - de um tom de voz masculino e será chamada de sexista. Agora, o que me fez refletir foi a importância que deram aos textos escritos pelos homens. 



Eu não desqualifico os textos por eles terem uma voz masculina e acho bom deixar isso claro. O questionamento que quero trazer aqui é sobre a importância da voz masculina dizendo "escutem as mulheres". Por que é isso que os textos fazem; influenciam que os outros homens escutem as mulheres de uma maneira diferente. Isso é bom, sempre acho válido qualquer forma de expressão que faça com que as pessoas questionem seus preconceitos e privilégios. Só que eu não vou jogar confete em homem algum por que ele se diz feminista (ou pró-feminista). Eu não vou parabenizar incansavelmente alguém que somente afirmou um posicionamento que eu considero como básico nas lutas sociais. 

O que me fez refletir foi, também, a maneira como as mesmas críticas eram expostas. Nos textos das meninas, era uma imposição de que elas estavam sendo extremistas demais - principalmente ao afirmarem que as mulheres sofrem com o machismo incansavelmente mais que os homens. Já nos textos dos meninos, vi várias pessoas questionando. Eram comentários como: "Eu não entendi, mas gostaria de entender esse seu posicionamento". Isso deixou mais claro do que nunca que a voz do homem tem poder, imposição e valor. A voz feminina ainda é vista como uma voz que diz coisas impensadas, mal formuladas, carregadas demais pela emoção e, principalmente, extremistas. 


Então, a crítica que quero fazer aqui não é sobre os homens que escreveram os dois textos, mas sobre os que marcaram presença nos comentários. O feminismo não precisa de um homem para afirmar a voz das mulheres - precisa de mais mulheres que não tenham medo de demostrar sua voz. O feminismo não precisa que os homens ditem as regras da militância - isso cabe às mulheres, que sofrem diretamente com a violência de gênero. Todo o apoio masculino é bem-vindo, assim como eu apoio a luta negra, assim como eu apoio a luta trans. Só que eu não quero confetes sendo jogados em cima de mim por eu fazer algo que não passa da minha obrigação - apoiar grupos minoritários. Não acredito em um feminismo repleto de transfobia, lesbofobia, racismo. Assim como não acho necessário todo esse auê gerado pois dois homens se puseram em um lugar que lutamos para que todos estejam. 

Essa luta é feminina. Eu apoio todos os textos - mas meu coração pede, implora e clama pelo dia que todas essas palavras tenham uma voz feminina. 

1 comentários:

  1. Srta. Bia disse...:

    Maria Clara, boas pontuações. É mesmo impressionante como mulheres falando são sempre tachadas de extremistas, enquanto homens falando do mesmo assunto são sensíveis e estão ajudando o feminismo. Fora que o texto do yashar, mesmo sendo bom, está publicado num site que tem uma relação bem complicada com o machismo e o apoio as mulheres.

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