Santas quebradas reproduzindo o luto coletivo gerado pelos manequins da Toulon.

domingo, 28 de julho de 2013
Sempre fui o tipo de pessoa que exige respeito. De todos os lados. Todos os dias alguém me pergunta se é sendo feminista (com aquele tom de nojo em cima da palavra "feminista") que eu quero ser respeitada. Sempre respondi que não é assim que eu quero ser respeitada - é assim que eu exijo ser respeitada. Só que eu sou desrespeitada todos os dias pelas pessoas, pela igreja e pelo estado. O senso comum diz que eu preciso "me dar ao respeito" e ser uma mulher dentro dos padrões patriarcais e só assim, talvez, quem sabe, há a chance de eu ser respeitada. Eu piso fora da linha do comportamento que me foi imposto e sou vadia, piranha, mau comida.

É fato sabido que o respeito não é dado para as mulheres da luta. Existe sempre um "porém" sendo analisado pelo conservadorismo, sempre um "entretanto" sendo utilizado pelos reacionários. A igreja faz questão de dizer que não somos mulheres de verdade - somos vadias, afinal! O estado não nos defende, embora devesse, embora adore dizer que somos iguais aos homens. Se a teoria e a prática fossem semelhantes, até que muita coisa estaria melhor. Teríamos um estado laico, mas a vinda do Papa e da JMJ só me afirmou que estamos é bem longe disso. Na verdade, acho que estamos mais perto de voltarmos a queimar as bruxas do que conseguir efetivamente um estado laico.

E todo o foco da Marcha das Vadias se encontra nas imagens quebradas. Todos que são contra a marcha focam seus comentários, xingamentos e "cadê o respeito que vocês pedem" nas duas pessoas quebrando as imagens santas. Eu não quebrei santa e provavelmente nunca quebraria, mas eu entendo o que está entalado na garganta dessas pessoas e entendo o significado que tudo isso tem.

Cadê o respeito que eu tô pedindo? Olha, eu percebi que não dá para pedir respeito e dar respeito quando não estão em situações equiparadas. E não, a sociedade não me vê da mesma forma que vê a igreja. Querendo ou não (e eu não quero), a Igreja manda na vida das pessoas. Vocês, reacionários, machistas, homofóbicos, religiosos bitolados estão tão preocupados com o gesso jogado no chão que estão ligando o foda-se para o sangue que escorre por conta de seus preconceitos e dogmas todos os dias. Teve gente na Marcha das Vadias quebrando santas? Sim! E os "mini-fetos" distribuídos pela JMJ? Para mim, isso é uma falta de respeito muito maior. Mas é isso que dá quando se tenta falar de respeito com uma religião que já matou e mata aqueles que discordam dela: somos taxadas de malucas, de vadias, de piranhas, de hereges.

Eu exigi respeito por tanto tempo que cansei. Não dá para mudar um mundo entregando flores para aqueles que me oprimem. Não dá para exigir que me enxerguem como igual quando eu tenho uma relação de respeito (de mão única) com aquele que me oprime. Então, se você se sentiu ofendido por ter suas santas quebradas no chão, vamos lembrar de algumas coisas?

A primeira delas é a mais obvia: Aquilo alí é apenas gesso. Sua fé não está baseada na imagem que eu sei. Não importa qual é a sua religião, as imagens não são a sua fé. O gesso quebrado no chão é uma representação muito forte, são oprimidos quebrando aquilo que querem que aceitemos todos os dias. Desde pequenos somos ensinados que a religião e a fé é o bem maior: é com o que não se brinca. Pois bem, aquele não é meu deus e eu não adoro aquelas imagens. Quem dera que fosse só me manter afastada disso e isso não teria efeito sobre mim. A questão é que existem rosários enfiados fundos nos meus ovários - e em todo o meu corpo. Para mim, a representação do quebra-quebra de gesso foi exatamente isso: Tirar os valores religiosos de um corpo laico.

Consideramos falta de respeito coisas bem diferentes. Vocês consideram um beijo homossexual uma falta de respeito. Consideram a quebra de imagens santas uma falta de respeito. Consideram os peitos femininos uma falta de respeito. Sejamos sinceros: qualquer libertação feminina, para vocês, é uma falta de respeito. Antes bruxas; agora vadias! Nunca Maria, sempre Madalenas.

Já para mim, falta de respeito foi minha mãe ter que escutar dentro da igreja que ela frequenta a vida inteira, que ela teria que se levantar para que os peregrinos da JMJ pudessem se sentar. Falta de respeito, ao meu ver, foi a mulher com a camisa da JMJ olhar de cara feia para um senhor humilde dentro do ônibus e se recusar a sentar ao lado dele. Falta de respeito foram os peregrinos da JMJ que xingaram e ofenderam os casais homossexuais dentro da Universidade Federal Fluminense e dentro dessa mesma universidade, que é livre, laica e plural, depredaram cartazes de coletivos, além de falarem que as meninas precisavam ser salvas (por eles, claro, que são homens e tem o poder de salvar a todxs).

Falta de respeito foi a igreja católica, que é extremamente rica, gastar o dinheiro do meu país para trazer seu papa para terras brasileiras. Não temos educação, transporte, saúde ou segurança de qualidade, mas temos a alienação do povo em padrão Fifa: futebol e religião.

Falta de respeito é tentar humanizar algo que pode vir a ser um feto e tornar como monstro a mulher que não quer ser mãe. Falta de respeito é ignorar todo o sangue derramado em clínicas de aborto clandestinas e nos banheiros de casa. Falta de respeito é esquecer o sofrimento da mãe pobre que aborta com agulha de tricô pois não tem mais condições de trazer outro filho para sofrer a miséria.

Falta de respeito é dizer que a camisinha não deve ser usada - ignorando completamente as milhares de mortes e sofrimentos causados por doenças sexualmente transmissíveis. Falta de respeito é não existir um planejamento familiar e, além de tudo, proibir educação sexual na escola. Falta de respeito é o sexo ser um tabu.

E agora, a igreja que sempre me oprimiu (e oprime até seus próprios fiéis), que matou e mata, que proibi contraceptivos, que condena as mulheres que não querem ter filhos, que esconde a pedofilia e não se pronuncia sobre ela, que apoiou modelos de estado completamente sanguinários (vide Alemanhã Nazista), que faz propaganda contra o casamento igualitário, que prega que a mulher é inferior ao homem, que o negro é inferior ao branco, que prega um discurso de ódio em relação às outras religiões, principalmente as religiões afro... bem, essa "linda" igreja quer vir falar de falta de respeito com aqueles que estão sendo oprimidos há milhares de anos e não aguentaram mais e quiseram tirar seus dogmas de seu corpo e quebrar no chão.

Essa igreja não dialoga comigo.
Essa igreja não quer o meu bem - e nem o seu.
Eu sou contra essa igreja, mas se você ainda quer segui-la, apoiar um estado laico permite que você possa. Por que é fácil não ver problema no estado atual quando se é católico ou evangélico. Quando sua religião não sofre preconceito, é fácil achar que o estado laico é algo ruim. É fácil chutar macumba e pedir respeito quando uma santa é quebrada.
E vamos todos combinar: O que é um gesso quebrado no chão quando o sangue de milhares de inocentes mancha a religião dessa maneira?

Eu apoio a Marcha das Vadias. Eu sou feminista. Eu sou livre. Eu não vou mais aceitar que qualquer igreja imponha seus dogmas na minha vida. Eu quero um estado realmente laico. Eu quero um luto generalizado pelas mortes da Maré e pelas mortes em clínicas clandestinas de aborto, não por manequins da Toulon ou santas quebradas.

Eu quero humanizar as pessoas e não a matéria.
Talvez eu não quebrasse uma santa... Mas eu entendo quem quebrou!

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