Andar tranquilamente na favela onde eu nasci...

segunda-feira, 15 de abril de 2013
Um dia me ofereceram cocaína. Não aceitei. Há quem diga que todo "favelado" já experimentou todas as drogas lícitas e ilícitas, mas eu não quero fazer parte dessa generalização. Generalizações são sempre erradas, já percebeu? E lá estou eu: Generalizando. A questão é que eu sou favelado, nasci no morro, sou preto, ando descalço, estudo em escola pública, sou um clichê de novela da globo, aquele que morre no meio do tiroteio e dois capítulos depois ninguém lembra nem do meu nome. Só que eu nunca me droguei. Um dia tentaram me entregar um revólver. Recusei. Sim, eu poderia muito bem ter pego e ter sido o orgulho dos traficantes, por que eu sou neguinho e eu moro ali, bem na esquina da maldade e do caminho errado. Só que eu desviei. Não é isso que minha mãe gostaria que eu fizesse? Desviasse? Então, eu desviei. Eu matei aula, como todo garoto, rico ou pobre, negro ou branco, mas eu estudava. Mais do que muitos. Não era o mais inteligente, mas buscava ser, eu precisava ser se não quisesse ter valor somente por segurar uma arma ou chutar uma bola. É isso que acontece no morro; ou você nasce para polícia te matar ou para estrangeiro te comprar. Só que eu não nasci para morrer e nem queria sair do Brasil. Eu queria ser alguém? Sim. Só que aprendi que você é sempre alguém. Eu sou alguém. Sou alguém para mim, pros meus pais, pros meus irmãos. Posso ser um número na estatística do governo, mas sou alguém dentro de casa. Quer orgulho melhor? E eu sou novo, não sou? Dezessete anos e já quero o mundo todo pra mim. Mas tenho preguiça, quem não tem? Tem dia que não quero estudar, só quero sair com os meus amigos, pegar algumas meninas, ouvir um funk. E daí se o meu funk fala um caralho? E dai se o meu funk diz que um pau na boceta é gostoso? Sabe por que ele te incomoda, plateia de Caetano Veloso? Por que ele fala o que você pensa, mas nunca teria coragem de dizer. Sabe qual a nossa diferença maior, almofadinha que lê a Veja? Eu, lendo meu meia hora, sou capaz de escutar Caetano Veloso e assumir. E você? É capaz de dizer para mamãe que andou escutando um proibidão? O que você faz e tem medo de assumir, eu canto pelos quatro ventos. E saio como errado, mas é claro, eu sempre sou o errado. Afinal, você pode ir para o meio da rua e gritar sobre Deus, pode colocar a música góspel na frente de uma casa de macumba no último volume. "É o meu direito de expressão, você não pode me proibir disso". Mas... você está incomodando quem não divide do mesmo gosto que você, não está? Só que você esquece que respeito e direito é uma via de mão dupla. Então, vamos fazer assim? Você escuta tua música num fone de ouvido e eu passo a não escutar funk no ônibus, fechado? Só que ai você pensa que eu estou te podando... "negrinho querendo aparecer, volta para senzala!". É por isso que eu não ligo se você reclama que meu funk é proibido. Afinal, teu preconceito também é e você continua mostrando-o para quem quiser (e para quem não quiser também). E eu jogo bola, mas não quero ser jogador. Eu escuto funk e não quero ser cantor. E eu escuto rap e não sei rimar. Mas eu sou humano e, você querendo ou não, sou igual a você. E eu podia ter entrado no mundo das drogas e no mundo do crime. Eu poderia ter me iludido achando que o Flamengo ia vir me procurar no morro e eu iria ser o próximo Adriano. Eu poderia, não poderia? Mas eu escolhi ser eu, morar na minha favela e ser alguém dentro de casa. Eu escolhi, na volta da escola, escutar o meu funk no ônibus. Eu não tive overdose, nem fui preso, nem reprovei na escola, nem fui expulso de casa, nem peguei uma doença. Eu fui morto por que estava escutando o que eu gosto. Talvez alto demais? Sim, mas... você não? 
Abaixa o som da hipocrisia, por que você me deu um tiro por ouvir a música que te faz quicar até o chão. 


Será mesmo que eu sou a única pessoa que achou um absurdo os comentários feitos sobre a notícia no jornal sobre um garoto que foi morto por estar escutando funk no ônibus? "Bem feito" "Já foi tarde", "Finalmente alguém fez alguma coisa"... Eu não gosto de música alguma no ônibus, só que tirar a vida de alguém por causa disso é uma ignorância sem tamanho. A história não é baseada em fatos, eu não sei nada sobre o garoto que morreu, mas... você sabe? Você que acha que ele tinha que morrer mesmo, que todos deveriam morrer... você sabe quem era esse garoto? Ele podia ser um drogado, um sem rumo, um bandido, mas mesmo que fosse, isso não lhe dá o direito de querer que ele morra. O garoto podia ser bandido, mas também podia ser um herói. O teu rock não é melhor que funk algum. Nem o teu axé, rap, reggae, pop, mpb. Nem o funk é melhor que qualquer outro estilo. Mas a tua ignorância faz VOCÊ pior. Cada dia pior... 

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