Vamos nos amar?

domingo, 29 de dezembro de 2013
Recebi uma criação que valorizava muito o amor. O conceito de amar foi um dos primeiros que tive na minha infância. Era o amor de mãe, de pai, de irmã, de avó. Era o amor dentro da família, o amor na escolinha, o amor ao ver outros atos de amor nas ruas. 

Quando conheci o amor romântico, platônico, de filmes água com açúcar e contos da disney, conheci também o poliamor. Claro que não tinha a mínima noção desse nome e nem o encarava como uma questão política, mas eu já compreendia que o amor era plural demais para se manter monogâmico em mim. Quando amei pela primeira vez, a primeira pessoa, tive a consciência de que aquela não seria a última pessoa que eu amaria - e também entendi que podia me envolver e me relacionar com outras pessoas ao mesmo tempo. Quando eu amei e assumi esse amor, conheci dentro de mim as diversas formas que esse sentimento poderia ter. Com o passar dos anos, fui entendendo melhor sobre o que se tratava ser poliamor - e é uma realidade que hoje eu agradeço muito por viver.

A monogamia nunca foi algo que me chamou a atenção. Assim como também nunca me chamou a atenção a heterossexualidade. Não que eu seja contra essas duas coisas, só tenho um nojo muito grande por toda essa imposição massificada que fazem de ambas. Nossa sociedade prega que todas as relações devem ser heteronormativas (e isso acaba sendo refletido até em relações não-heteros) e que só há felicidade em relacionamento monogâmicos (causando uma relação e um sentimento de posse até em pessoas que vivem o poliamor). Sou contra regras pré-estabelecidas para moldar e guiar relacionamentos. Acredito que as pessoas são capazes de buscar e entender sua própria felicidade e podem muito bem descobrirem por si que tipo de relacionamento as fazem feliz. Para isso acontecer, é preciso que acabe essa imposição cultural de que todas as relações devem se encaixar em um molde heterossexual e monogâmico. Acredito que todas as relações devem ser instantâneas e, principalmente, espontâneas. Sorrisos ensaiados e discursos decorados não me transmitem o mínimo de felicidade - e não é felicidade que todos procuramos? E é vivendo em relações espontâneas que eu, bissexual e não monogâmica, posso me relacionar com alguém do sexo oposto ao meu e estar monogâmica - mas isso não é regra e muito menos uma imposição. 

Eu acredito numa construção mútua daqueles que estão no relacionamento. Isso quer dizer que eu não acredito em regras pré escritas, amores pré construídos e sentimentos ensaiados. Eu acredito em um amor livre, que consegue se desprender das amarras da sociedade e se livrar das hierarquias. Enquanto crescemos, cruelmente trocam o clichê de "você só pode ter um melhor amigo" para "você só pode amar uma pessoa". Dizem que se você ama duas - ou mais - nenhum desses amores é verdadeiro. O amor, que é o sentimento mais amplo e puro que conheço, não deveria ser tratado como algo tão limitado. Não acredito em um amor único e nem quero encaixar todas as minhas relações - sexuais ou não - em um molde idealizado por uma sociedade extremamente excludente e preconceituosa. O que sinto e vejo todos os dias são formas intermináveis de demonstrar os sentimentos mais belos. São infinitas formas de amar. Amar longe dos filmes infantis, dos encartes de jornal, das novelas do horário nobre. Amar longe das amarras sociais, longe das cobranças patriarcais, machistas e homofóbicas. Amar por quê é assim que se sente. Amar longe do amor romântico que é empurrado goela abaixo todos os dias. 

É preciso entender, com o máximo de urgência, que o amor e as relações sexuais não necessariamente andam de mãos dadas - e muito menos são inseparáveis. O amor, quando é vivido de uma maneira livre, se expressa de maneiras tão diversas como se é possível viver. O amor pode se expressar em um curto momento e nunca mais aparecer ou pode durar toda uma vida. O amor não precisa ser doloroso, sofrido e muito menos sangrento. Só que vivemos em uma sociedade que parece que quer culpar o amor - principalmente aquele que não é gerado por um casamento monogâmico e heterossexual. 

Talvez por ter sentido já algumas diversas formas de amar, eu não acredite no ciúmes como um dos patamares fundamentais de uma relação - e exatamente por esse caminho não gosto nem um pouco do conceito social de "traição", dado que não considero a fidelidade como fundamental. Considero a liberdade nossa forma mais verdadeira de felicidade. Quebro diariamente minhas correntes com o patriarcado, o machismo, o cistema, o racismo, a homofobia, o capitalismo. É papel fundamental meu, portanto, quebrar também diariamente as amarras que me prendem aos outros - as ligações continuam, mas as dependências vão embora. 

A monogamia carrega um ar de posse que nunca me encantou. Imaginar que meu corpo, meus pensamentos e meus sentimentos devem estar unicamente ligados à uma pessoa me apavora. Pensar que todas as minhas relações plurais devem ser deixadas de lado e esquecidas em prol de um amor que se deve ter como superior aos outros é uma atrocidade. Nenhum amor deveria ser posto em um patamar mais alto que os demais. Não é preciso hierarquizar os sentimentos e nem se cobrar saber quem é mais importante nas relações. Estar com outras pessoas - ou com uma outra pessoa só - é entregar seu coração por completo. Eu entrego o meu coração por completo para todas as pessoas que estão dispostas a dividir comigo um pouquinho de amor - e um pouco de amor é sempre sentimento demais, um mar de relações boas. O amor é plural e o amor só se soma, não é preciso dividir ou subtrair. Não é preciso limitar. 

Eu nunca entendi a heteronormatividade. Uma maneira de tentar moldar as relações, os sentimentos e as atrações. Uma forma de limitar todo um caminho que é possível trilhar e colocar uma culpa naqueles que amam sem se importar com o gênero da pessoa. Como se um órgão sexual fosse definir alguém - e não somente fazer parte desse alguém. Como se um sentimento tão puro como o amor fosse aniquilado por questões de preconceito sexual. 

Essa é a forma como eu encaro o amor - e ela funciona cada vez mais para mim. Eu entendi que não quero relações que são repletas de uma questão de posse ou superioridade. Eu entendi que não quero me limitar ou limitar meus sentimentos. Eu descobri que sentir é uma delícia e se permitir é algo maravilhoso. Longe de mim querer normatizar a poligamia e as relações não-heteros. Se é estranho... deixa ser! Eu não tenho a necessidade de normatizar as coisas. 

Pra mim, moças, moços e seres não binários, um amor bem poli, livre e não-heteronormativo. 
(e pra vocês também)

Olhou pro banco e disse: MACHISTA, vai lá!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Fiquei um bom tempo pensando em como começar esse texto. Na verdade, como sempre gostei muito das suas músicas, Emicida, acho que isso vai sair mais como uma carta. Vou tentar te falar coisas que nunca dizem nem pra você, nem pra qualquer homem. Vocês não estão acostumados a ouvir e saber das informações que eu vou contar, então talvez queira se sentar no seu sofá do privilégio masculino.

Trepadeira. Não sou do tipo de mulher que gosta de flor - olha, primeira coisa para te avisar: Nem todas as mulheres são delicadas e ficam apaixonadas ao receber um buquê de flores. Nunca gostei, mas se tem uma planta que me agrada é a trepadeira. Passei minha infância numa casa que tinha um muro coberto por essa planta magnífica. Era um jardim grande e tinha muitos tipos de árvores, flores e matos, mas nenhum deles me causava tanta admiração quando àquela estranha planta que crescia rente ao muro da piscina. Fiquei extremamente triste no dia que tiveram que retirá-la, pois ela causava infiltração no muro da casa vizinha (ou algo assim. Era muito pequena, não lembro direito). 

Então, em primeiro lugar, não acho que mulher nenhuma deva se sentir ofendida a ser comparada com uma planta tão bela. Só que, achar que nenhuma mulher deve se sentir ofendida não anula o que eu acho sobre a sua música. Ela é extremamente machista, mas isso com certeza você já escutou desde o momento que a colocou no youtube. E, bem, esse texto é sobre coisas que homens não sabem (ou não estão acostumados a saber). 

Espero que esteja preparado para o primeiro choque de realidade. É... saber que nem toda mulher é obrigada a gostar de flores não foi o primeiro choque. A primeira revelação que eu quero fazer é que mulher faz sexo. Sim, acreditem. Mulher faz sexo - não somente fazem sexo com mulher. Essa ideia que colocam na cabeça masculina de que mulher é passiva em questão de sexo... bem, é mentira! Mulher faz sexo, mulher gosta de sexo, mulher faz sexo com outra mulher, mulher faz sexo com vários homens, mulher faz sexo antes do casamento, mulher faz sexo para se satisfazer. Mulher goza, mulher goza com homem, mulher coza com mulher, mulher goza sozinha. 

Você goza, Emicida? Faz sexo pra se satisfazer? É... eu também! Eu, minhas irmãs, minha mãe, a sua mãe, a sua tia, a minha prima, as suas fãs. E olha, eu nunca vi ninguém fazer uma música para criticar o homem que gosta de prazer. Mas se a sua visão é tão conservadora nesse quesito, talvez você deva fazer uma "trepadeira parte 2... o outro sexo" e criticar tão fervorosamente também aquele homem que - pasmem! - faz sexo. 

Então, vamos para a segunda coisa que ninguém nunca te contou: Mulher não faz sexo com aqueles que acham que a merecem. Você, acreditando ou não, não é a pessoa ideal para decidir quem é digno ou não de fazer sexo com qualquer mulher. Essa escolha cabe somente a ela. E, por favor, supere esse recalque de "eu fui tão bom e ela não deu pra mim, mas deu pra outros". Nenhuma ação sua torna obrigatório o sexo. Nada do que você faça vai fazer com que seja uma obrigação da mulher dar para você. Agora, se você não sabe lidar com isso - como mostrou que não sabe ao escrever uma música para criticar essa mulher -, bem, é melhor zerar a vida e começar novamente. 

Você ainda deu um toque de "friendzone" na sua música. Que merda de tempero para uma receita que já tá solada antes de ir ao forno. De tantos discursos para fazer coro, você escolheu um que é extremamente infantil. Ou você quer algo mais infantil do que uma pirraça de quando não consegue aquilo que quer? Não está acostumado com isso? Acho que está - ou deveria. 

Emicida, você canta rap. Rap é questionador, revolucionário. Você é negro e com certeza entende o racismo. Só que, infelizmente, enxergar a sua opressão não abriu seus olhos para todos os outros que são oprimidos por razões distintas da sua. Você é oprimido por ser negro - eu sou oprimida por ser mulher. E eu luto por uma liberdade feminina, mas os homens adoram reafirmar que estamos fazendo escândalo por bobeira. Você afirma que fez um poema. Dê o nome que quiser, Emicida, nenhum deles vai anular que o que você fez é machismo. E você, negro, cantor de rap, não está acima do bem e do mal e nada vai me impedir de repetir: Você é machista! 

Só que fica me martelando na cabeça isso de que você deveria ser pelas minorias sociais, pelos oprimidos, pelos injustiçados. É... você tá na luta negra, não está? E mais uma vez, como de costume, eu, mulher, feminista, escuto que a minha luta é menor, sem razão, sem nexo e "para o bem geral da nação" vamos... deixá-la para depois, de lado, ali atrás do armário, bem escondida. Por que ninguém nunca tinha te dito que mulher faz sexo, não é? Só que, pior: ninguém nunca tinha te dito que mulher faz sexo por que quer! 

Como diz Lindy West "A sexualização das mulheres só é aceitável quando não é consensual. Do contrário, é só 'vulgaridade'". Pelo o quê eu to lutando e por quê eu to falando, Emicida? Por que eu não quero que nenhuma mulher mais se veja na obrigação de sexo - e na obrigação de não-sexo. Por que eu não aguento essa sociedade que diz que o sexo, para a mulher, é o maior dos tabus. Eu não aguento essa sociedade que aplaude uma música que reforça o discurso nojento e asqueroso de que mulher boa é mulher pudorosa, mulher santa, mulher que não transa com quem quer - e que não pode querer transar. 

Recuso-me a acreditar que um cantor tão conceituado não saiba da realidade da violência contra a mulher. Da naturalização da violência de gênero. E o que você faz? Reforça esse diálogo. Reforça e faz coro à essa ideia de que existe um tipo de mulher que merece apanhar. Com espada de São Jorge! 

Deixa eu te contar outra coisa que não contam aos homens: Quando ele agride - ou estupra - uma mulher... a culpa é DELE! Não importa se ela negou sexo, se ela estava sozinha, se ela estava com roupa curta. Não importa se você não concorda com o modo de vida dela. Não importa se você acha asquerosa a ideia de que a mulher é tão livre quanto o homem. Não importa se você não sabe lidar com o seu recalque sobre a vida alheia. Não importa nenhum fator desses. 

É, Emicida, a vida é cheia de coisas que nunca contaram aos homens. Se nunca contaram aos homens, também nunca contaram às mulheres. Só que a gente descobre com o tempo essas verdades e tenta mostrar pra vocês: que, se existe liberdade, ela também nos pertence. Sua música fala muito de flores - mas as hierarquiza. Coloca as mulheres - lindas flores - como o patamar mais alto, afinal, homens irão querê-las para além de uma noite. Só que isso é fruto da sua imaginação e de uma criação machista e patriarcal. Nenhuma mulher é melhor do que outra pela quantidade de pessoas que elas levam para a cama. E mais importante: Nenhuma mulher é melhor por que agradou a um homem - e se moldou aos padrões machistas impostos na sua música e na nossa sociedade. 

Eu fico extremamente triste que você tenha escolhido esse discurso para defender, "poetizar" e aumentar. Não é disso que o nosso mundo precisa. O nosso mundo não precisa de mais gente influente falando que a mulher tem que "se dar ao respeito" e se enquadrar em moldes que somente a podam. O nosso mundo não precisa de um cantor de rap dizendo que certas mulheres merecem apanhar. 

Eu não sou uma planta. Eu não sou uma flor, um mato, uma raiz. Eu sou uma pessoa e eu tenho uma vida. E as escolhas dessa vida cabem a mim. O que eu faço da minha vida é escolha minha. Mas, se você quer chamar a mulher que transa de trepadeira, bem... é uma bela planta! 

E eu faço coro a uma frase da sua música: 

ARRASA BISCATE! (O mundo é nosso também!)

(Emicida fez uma postagem no Facebook sobre a repercussão da música. Abaixo direi o que achei da postagem) 

Entendo que talvez você esteja acostumado com um "é ficção" justificando barbaridades. Assistimos novelas e filmes absurdos que propagam preconceitos e reforças discursos extremamente excludentes. Só que, felizmente, não somos obrigados a gostar, apoiar e aplaudir ficções que não nos agradam. E ficção que propagam como "naturais" ações de violência não me agradam - e acho que nem deveriam te agradar. Então, para mim, essa desculpa não é válida. Você é um artista e gostaria de te perguntar se é esse o tipo de discurso que você quer propagar com a sua ficção. É esse tipo de ação que você quer naturalizar?

Você tem outra música que trata da questão no sexo masculino? Pois bem, "Vacilão" não é mais legal que "Trepadeira". Vacilão é o homem que perdeu a mulher que -pasmemos!- não se enquadra na mulher trepadeira. Realmente há uma ligação entre as músicas - mas nem de longe é a ligação que você afirmou. Só que vamos ao ponto que realmente importa: Sua música não é aleatória ao mundo. Ela não está infiltrada em um lugar livre de sexismos, machismos, violência de gênero. Sua música representa exatamente o que é dito pelo senso comum - que mulher tem que se dar ao respeito. Ninguém fala isso de homem, ninguém clama que o homem se respeite, ninguém questiona com quantas mulheres o homem dorme. Quando você cria uma música que reforça o senso comum, você o legitimiza e abre espaço para que as pessoas reforcem seus sexismos e preconceitos. Isso acontece com "Trepadeira", mas nunca iria acontecer com "Vacilão". Emicida, o senso comum diz que o homem é o ápice da nossa sociedade - então, mesmo que ele perca a mulher "certa", ele pode se divertir com as trepadeiras o quanto quiser até encontrar outra mulher "certa". E esse ciclo se repete incansavelmente. Esse ciclo é vicioso e gera uma violência de gênero. Então, não, não é "só ficção". Isso é real e cotidiano na vida das mulheres - mas você precisa descer do seu privilégio para conseguir enxergar. Então... vai descer?!

Você diz que sua opinião sobre a sexualidade feminina não é igual a do senso comum. Diz que não é machista e patriarcal. Então, me explique o motivo de você escolher fazer uma música que vai de encontro com a sua opinião? Há uma razão para isso? É uma poesia mais fácil de fazer - e ser vendida?

Vou responder sua pergunta sobre opiniões diferente: Sim, podemos ter opiniões diferentes. Só que isso não anula o meu direito de criticar sua música. Não tira o meu direito de discordar de você e achar que essa música é simplesmente um desserviço à luta feminista. Então, infelizmente, não estamos do mesmo lado. Não estamos do mesmo lado por que você diz uma coisa - diz ser igualitário, estar ao lado da luta feminista -, mas faz uma música extremamente machista. E não, Emicida, "Rua Augusta" não te deu uma carta branca para escrever quantas merdas quisesse depois.

Você fala da sua história, trajetória e das outras músicas que escreveu. Fala das vezes que disse para escutarem a voz feminina - coisa necessária numa sociedade tão machista. Emicida, não vou jogar confetes em você. Desculpe-me, mas eu, como alguém que sempre admirou o seu trabalho, não vou jogar confetes em você quando você tem ações que deveriam ser normais. Não ser machista não passa da obrigação de qualquer pessoa - principalmente das que assumiram algum papel social.

Não se baseie no pior, Emicida. Não é por que existem raps piores, que você deve se ver no direito de escrever algo machista. Não é por que existem raps que nem tentam enxergar a mulher que você merece palmas.

Eu repito: Não estamos do mesmo lado. Não estaremos do mesmo lado enquanto você não enxergar o desserviço que é essa sua música. Não estaremos do mesmo lado enquanto você continuar achando que tudo se justifica por ser "poesia". Enquanto você não conseguir enxergar os males dessa sua música, não estaremos do mesmo lado - mas espero do fundo do meu coração, que um dia estejamos.

Você PODE escrever uma poesia machista... mas é esse o mundo que você quer deixar para a sua filha? 

Voz masculina não protagoniza o feminismo.

terça-feira, 20 de agosto de 2013
Li quatro textos que estão em alta essa semana e percebi que algo alí me incomodava. Os quatro eram sobre o mesmo assunto, mas dois foram fervorosamente criticados e os outros dois aplaudidos. Pessoas comentavam desmerecendo frases soltas de dois textos, enquanto compartilhavam loucamente e jogavam confete em que escreveu os outros dois. 

O tema desses textos é polêmico - mas simples de ser entendido, o problema é que ninguém quer descer do patamar de seus privilégios para poder entender o contexto: Homens não podem protagonizar o feminismo. Os textos não tratam do assunto na mesma linhagem e nem todos citam esse protagonismo, mas é a mensagem que passa: a opressão de gênero existe e é atual - e já passou da hora de pararmos de duvidar da voz feminina e tentar calá-la. 

Existe somente um diferença gritante entre os quatro textos: Dois foram escritos por mulheres; dois foram escritos por homens. Preciso mesmo dizer qual foi fervorosamente criticado e qual foi aplaudido? 

Ultimamente tenho visto várias pessoas questionando o machismo na luta esquerdista - e isso é ótimo! Assim como vejo milhares de mulheres criticando a transfobia no meio lgbt e feminista - o que também é ótimo! Desnaturalizar essas agressões é preciso para que possamos tornar nossos movimentos cada vez mais plurais, igualitários e libertários. Então, é claro que o assunto é polêmico. Dizer que o homem não pode protagonizar o feminismo é fazer com que os reacionários voltem ao pensamento - se é que saíram dele - de que o machismo é o oposto do feminismo. Só que é um perigo que temos que correr. É preciso deixar claro quem tem que ter voz nesse movimento. É preciso deixar claro quem sofre constantemente nesse sistema patriarcal e machista que vivemos diariamente. 

Sejamos sinceros: Quem cala o homem?! O homem-branco-cis-hetero... quem o cala? Ninguém. Ninguém nunca negou a voz ou a veracidade do discurso desse homem. Não o apago da luta feminista, acho que é dever de todo cidadão lutar ao lado dos grupos de minoria social (e invisibilidade). Agora, a maior questão do feminismo é dar voz a mulher; voz essa que nos foi arrancada desde o berço. Voz que é negada às mulheres cis e, talvez, nunca tenha existido para as mulheres trans. 

Eu acho que existe um grande ponto dentro do feminismo: Lutamos pela voz da mulher, mas talvez o movimento ande esquecendo das mulheres não-cisgêneras. É preciso lembrá-las, abraçá-las, mas principalmente: Entregar um megafone nas mãos delas e deixar que elas exponham a transfobia que sofrem diariamente. É papel do feminismo entender a transfobia como um alvo a ser derrotado tão urgentemente quanto o machismo. 

Então, deixa eu voltar a falar dos quatro textos. Um é da Daniela Andrade e explica o papel do homem na luta feminista - simples, prático, didático e extremamente criticado ao dizer que não devemos tratar as mulheres como vítimas, mas como sobreviventes. Extremamente criticado também ao dizer que a mulher não é machista, pois o machismo é um mecanismo tão forte que faz com que o maior oprimido - as mulheres - tenham um apego e uma dependência para com esse sistema de opressão. A culpa não é delas - e é preciso deixar isso extremamente claro e visível. Outro texto é da Tanira Maurer que fala sobre a naturalização da violência contra a mulher - skatista que fez piada da agressão, a capricho que tenta transformar o estupro em matéria-prima para romance e também foi criticada pela parte que diz "isso só acontece com mulheres". Após as diversas críticas, Tanira ainda respondeu em outra postagem - também de forma bem clara, mas volto a dizer que é preciso descer de nossos privilégios para conseguirmos enxergar com clareza o assunto.

Yashar Ali falou sobre como as mulheres não estão loucas e defendeu que está mais do que na hora de pararmos de desvalorizar e desqualificar discursos levando em consideração o gênero da pessoa que o prega. É um ótimo texto que faz pensar todas as vezes que escutamos que nossos argumentos só eram tão fervorosos e "extremos" graças à nossa tão temida TPM. Henrique Marques-Samyn escreveu sobre os homens pró-feministas, deixando claro que o protagonismo do feminismo cabe somente à mulher. 

O assunto é polêmico por que os homens não estão acostumados a terem sua voz colocada para segundo plano. Nunca mostraram para os homens que a opinião deles, às vezes, não é a válida. Então, é gerada uma revolta toda vez que alguém fala que os homens não são protagonistas de algo - nesse caso, do feminismo. Só que é um assunto até bem simples de ser entendido, então vou usar outro exemplo: Sou uma mulher cis, tenho consciência de que isso me coloca em uma situação de privilégio em relação às mulheres trans. Eu apoio o transfeminismo, mas nunca poderei representá-lo. Eu não tenho meu gênero questionado diariamente, não sou chamada de "ele", não preciso reafirmar para o mundo que sou mulher. O mundo me enxerga como tal, então eu não tenho como entender e protagonizar um movimento contra uma opressão que eu não sofro. É o mesmo caso com o feminismo na luta contra o machismo; embora alguns homens também sejam atingidos pelo machismo, isso ocorre em uma escala extremamente menor do que ocorre com a mulher, além de que todos os homens são favorecidos por esse meio de opressão. Enquanto a exceção do machismo oprime o homem, é regra oprimir e inferiorizar a mulher. 

Nenhum dos quatro textos me incomodou - e nem discordo dos textos. O que me fez parar para pensar e querer escrever esse texto foram as opiniões tão diversas que esses textos geraram. Os textos - tanto das mulheres, quanto dos homens - foram criticados pelo assunto em questão. Tire a palavra final - e central - de um tom de voz masculino e será chamada de sexista. Agora, o que me fez refletir foi a importância que deram aos textos escritos pelos homens. 



Eu não desqualifico os textos por eles terem uma voz masculina e acho bom deixar isso claro. O questionamento que quero trazer aqui é sobre a importância da voz masculina dizendo "escutem as mulheres". Por que é isso que os textos fazem; influenciam que os outros homens escutem as mulheres de uma maneira diferente. Isso é bom, sempre acho válido qualquer forma de expressão que faça com que as pessoas questionem seus preconceitos e privilégios. Só que eu não vou jogar confete em homem algum por que ele se diz feminista (ou pró-feminista). Eu não vou parabenizar incansavelmente alguém que somente afirmou um posicionamento que eu considero como básico nas lutas sociais. 

O que me fez refletir foi, também, a maneira como as mesmas críticas eram expostas. Nos textos das meninas, era uma imposição de que elas estavam sendo extremistas demais - principalmente ao afirmarem que as mulheres sofrem com o machismo incansavelmente mais que os homens. Já nos textos dos meninos, vi várias pessoas questionando. Eram comentários como: "Eu não entendi, mas gostaria de entender esse seu posicionamento". Isso deixou mais claro do que nunca que a voz do homem tem poder, imposição e valor. A voz feminina ainda é vista como uma voz que diz coisas impensadas, mal formuladas, carregadas demais pela emoção e, principalmente, extremistas. 


Então, a crítica que quero fazer aqui não é sobre os homens que escreveram os dois textos, mas sobre os que marcaram presença nos comentários. O feminismo não precisa de um homem para afirmar a voz das mulheres - precisa de mais mulheres que não tenham medo de demostrar sua voz. O feminismo não precisa que os homens ditem as regras da militância - isso cabe às mulheres, que sofrem diretamente com a violência de gênero. Todo o apoio masculino é bem-vindo, assim como eu apoio a luta negra, assim como eu apoio a luta trans. Só que eu não quero confetes sendo jogados em cima de mim por eu fazer algo que não passa da minha obrigação - apoiar grupos minoritários. Não acredito em um feminismo repleto de transfobia, lesbofobia, racismo. Assim como não acho necessário todo esse auê gerado pois dois homens se puseram em um lugar que lutamos para que todos estejam. 

Essa luta é feminina. Eu apoio todos os textos - mas meu coração pede, implora e clama pelo dia que todas essas palavras tenham uma voz feminina. 

Sobre não bater em mulher e ser a mulher que não se pode bater

domingo, 11 de agosto de 2013
Feminicídio. Talvez você nunca tenha escutado esse nome, talvez não saiba sobre o que ele se trata. A mídia, o senso comum, a sociedade machista quer que encaremos esse crime com outro nome. Mais poético, novelesco, fácil de digerir e que não remete a o que realmente é: um crime de gênero. Querem que continuemos a repetir "foi crime passional", por que tem um som mais agradável aos ouvidos.

A Lei Maria da Penha acabou de fazer aniversário e cheguei a escutar que a lei é sexista. A pessoa que disse tal absurdo com certeza ainda não teve consciência de que o crime passional, na verdade, é feminicídio.

Eu sei que irei escutar o mimimi de sempre de que "homens também sofrem violência doméstica" e "conheço vários homens que apanham de suas esposas". Para o bom funcionamento do texto - e da minha cabeça - ignorarei. Não vamos tratar exceção da mesma maneira que tratamos a regra, ok? E o que acontece é que a violência contra a mulher está naturalizada. É rotineira. Mulheres morrer por serem mulheres; o que não acontece com o gênero masculino.

Ninguém morre de amor. Não foi o amor que enfiou uma faca de cozinha no peito da mulher. Não foi a paixão que deu um tiro na mulher e a deixou paraplégica. Não é um sentimento de carinho que torna um relacionamento abusivo. Isso ocorre por que no relacionamento patriarcal e machista existe um sentimento de posse. A mulher deixa de ser independente e ter vontade própria para ser instrumento de desejo e vontades do marido. O homem aceita que tem controle sobre sua esposa, entende que é um direito dele agredi-la, corrigi-la, enquadrá-la na "mulher ideal" para seus conceitos machistas.

A nossa sociedade ensina e educa esse homem - ignorando completamente a mulher, torcendo para que seu marido possa corrigi-la de suas ideias libertárias. Os ensinamentos são básicos e com certeza você já escutou vários deles durante sua vida: Mulher tem que falar mais baixo que o homem, não pode tomar decisões próprias, não precisa trabalhar fora, tem que deixar a casa arrumada, limpa e bem cuidada, tem que educar os filhos nos moldes patriarcais e machistas, tem que estar pronta para sexo sempre que seu marido quiser, não pode negar nada.

A mulher torna-se uma escrava do lar. Objeto de decoração para os amigos de seu marido, objeto sexual quando marido chega bêbado em casa, objeto-saco-de-pancada quando o marido quer liberar a raiva. E tudo é noticiado como um "crime passional". Um crime cometido pela paixão: um sentimento levado ao extremo. Que sentimento é esse? Amor?! Nunca foi. Amor levado ao extremo nunca causaria dor. A culpa não é de um sentimento entre um homem e uma mulher, mas o sentimento que o homem tem sobre a mulher; o sentimento de que pode e deve agredi-la se ela não corresponder as suas expectativas.

Eu cresci escutando que "quem bate em mulher é covarde" e "em mulher não se bate nem com uma flor". Ao mesmo tempo, via mulheres com olhos roxos andando de cabeça baixa na rua, via pessoas questionando o que a mulher tinha feito para o marido bater nela. Com o tempo eu percebi que eles precisavam colocar a culpa em alguém; e esse alguém não poderia ser o homem. Afinal, ser homem é ser o ápice da sociedade, não podemos condená-lo pela violência que ele comete. O que a sociedade faz é simples - e cruel. Ensina para as crianças que mulheres são intocáveis, sensíveis, donzelas, princesas. Ensina que nas mulheres não se deve bater. Só que, ao mesmo tempo, deixa bem claro o que é uma mulher: Cabelos longos, postura reta, palavras doces, voz baixa, pernas cruzadas, olhos voltados para o chão, uma obediência sem questionamentos, uma pureza inalcançável. É preciso ser essa mulher para não ser agredida. Ensinaram-me, desde crianças, esses dois significados: Não se bate em mulher | o que é ser a mulher que não se pode bater. Enquanto crescia, fui vendo muitas mulheres sendo agredidas. Mulheres demais. Até que entendi que o problema era que elas não haviam seguido o padrão de mulher-que-não-se-pode-agredir. E, graças a isso, os homens tinham o direito de bater nelas, estuprá-las... matá-las.

Eu via muito sangue. Sangue demais para quem cresceu achando que, por ser mulher, nunca apanharia. Só que eu apanhei. Apanhei quando era criança, de um garoto alguns anos mais velho que eu, pois ele achou uma afronta uma menina estar jogando Yugi-oh! Apanhei ideologicamente todas as vezes que justificaram algo com um "você é mulher, não entende!". Apanhei internalmente todas as vezes que vi mulheres sendo agredidas, todas as vezes que vi um crime sair impune, todas as vezes que vi a sociedade tentando culpabilizar a mulher pela violência que sofreu. Eu vi o sangue escorrer, mas não era um sangue vermelho, era um sangue transparente. O sangue estava nos olhos com medo, nas posturas curvadas, nos passos atrás do marido. O sangue estava na revista que tenta "justificar" a violência doméstica relativizando o agressor e culpabilizando a vítima*. O sangue estava no caso Samúdio, onde achavam que a morte dela era necessária pois ela era prostituta. O sangue estava no marido de Nigella que reclamou por ela não defendê-lo após ele a agredir publicamente**.

(*)

(**)

Mata-se por ser homem e morre-se por ser mulher; essa é a violência de gênero que enfrentamos todos os dias. Querem mascarar, relativizar e colocar uma poesia no meio, uma novela sobre o assunto, um filme cheio de sangue. Querem que acreditemos que o ciúmes matou, sem explicar que o ciúmes faz parte do sentimento de posse. Só que mulher alguma é objeto para ter dono. Mulher nenhuma deveria ser agredida. Nem a que se enquadra na sociedade, nem a que se recusa a se enquadrar, nem aquela que simplesmente não se enquadra.

Estão gritando que as mulheres estão morrendo de crimes passionais. Você acredita? Eu não. Não existe crime passional, existe feminicídio.

Lola, seu texto me estuprou - e "perdão" não vai curar isso.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Nesse momento a única pergunta que eu consigo fazer (sobre o texto polêmico -e desnecessário- da Lola) é a seguinte: Como as mulheres, feministas, leitoras assíduas desse blog (que é o mais lido sobre o tema) estão se sentindo?

Um dos maiores papeis do feminismo, na minha opinião, é chegar para as mulheres que são violentadas diariamente e falar em alto e bom som que a culpa não é delas. E a culpa realmente não é. Um dos trabalhos mais difíceis do feminismo talvez seja conscientizar as vítimas de que o agressor é o pleno culpado pela agressão. É algo obvio em outras áreas da vida, mas não é tão óbvio assim quando se trata de alguma violência contra a mulher.

Quando você é assaltado e vai fazer o Boletim de Ocorrência, nenhum policial vai te questionar o motivo de você estar andando sozinho. Agora, o que acontece diariamente nas Delegacias da Mulher são questionamentos vazios e sem qualquer relevância. Se a mulher foi estuprada, que valor tem a roupa que ela usava? Que valor tem a hora que ela estava andando na rua? Que valor tem se ela estava bêbada? Algum desses fatores alteraria a sentença de "culpado"? Algum desses fatores causaria uma sensação de "ah, estuprador, eu te entendo"? 

E quando uma mulher, sozinha, com medo, recém agredida vai até uma Delegacia (supostamente) da Mulher e é abordada e metralhada com perguntas que deixam a entender que se ela não fosse ela, se ela não agisse como agiu, ela não teria sido violentada, essa mulher aceita que a culpa foi dela. Não foi o estuprador que agiu, foi ela que fez o estuprador agir. 

Essa é uma questão ampla. A violência contra a mulher é silenciada todos os dias, no nosso cotidiano, na nossa rotina. A violência contra a mulher é naturalizada na nossa cultura. E é papel do feminismo desnaturalizar isso e dar apoio para as mulheres. E o primeiro passo é dizer: A culpa não foi sua. 

Explico, então, por que quero saber como as mulheres violentadas que são feministas e leitoras do blog estão se sentindo: As outras mulheres, a grande maioria que sofre a agressão, as que apanham caladas pois acham que realmente a culpa é delas, as que ainda não escutaram que elas podem e devem pedir ajuda ainda não aprenderam o básico: Que o estuprador é estuprador independente dela denunciar. 

Não há um botão de liga-desliga que move as ações dos agressores. E eu não me refiro à eles como monstros, pq isso tira um pouco da responsabilidade masculina nisso tudo. Não digo que a culpa é dos homens individualmente. A culpa é do homem que foi construído na nossa sociedade. E um dos pontos que vale pensar é que, se a culpa do estupro é da mulher (como a sociedade adora afirmar), então todos os homens são estupradores em potencial? Desculpa, mas eu não acredito nisso. Só que acredito que a carga de pensamentos, "mandamentos" e ideias que são passadas para os homens fazem com que eles invisibilizem o estupro (e outras diversas formas de agressão). 

A questão é que diversos grupos/coletivos feministas (se não todos) trabalham cotidianamente com a mulher que não tem a mínima noção de seus direitos. Trabalham com a mulher que acha que é culpada pela agressão que sofreu. Trabalham com a mulher que está simplesmente perdida na situação. E trabalham também com a mulher que não entende que sofreu uma agressão. 

Eu quero saber o que está se passando pela cabeça das mulheres que ajudam as outras. As que tem noção de que não são culpas e passam a vida tentando passar essa mensagem para as outras. Por que essas mulheres, que leem o blog da Lola, encontram (ou encontravam) lá um refúgio. Quer dizer, pelo menos eu fazia o blog "Escreva Lola Escreva" como um Google-feminista. Era incrível como todos os assuntos eram presentes ali.

Só que, então, há uma postagem que diz: "Você, estuprador, também é vítima". 

O papel do feminismo não é se preocupar se o estuprador vai se "curar" ou não. Isso não é doença. O estupro é tão enraizado na nossa sociedade que acontece diariamente. Acontece entre familiares (na maior parte dos casos). O estupro-no-bosque-escuro-e-com-a-vitima-perfeita não existe! O estupro que existe é com as pessoas comuns, a sua vizinha, a minha vizinha, a amiga em comum que temos. O estupro não é somente um homem dominando uma mulher que luta até perder as forças. Muitas vezes, o estuprador já dominou todas as forças da vítima antes de encostar nela. 

E quando um blog que incentiva o feminismo de milhares de militantes e é o ponto de acesso para as que ainda vão entender o feminismo, dá espaço para um estuprador dizer que ele se arrepende, mas não vai se entregar para a polícia pq o maior sofrimento para ele é saber que é estuprador, ela abre espaço para até as mulheres que já aceitaram que a culpa não é delas, se questionarem sobre o fato novamente. 

Feminismo é sim uma questão de direitos humanos. Eu sou contra castração química (principalmente pq não resolveria o problema) e sou contra a pena de morte. Só que isso não quer dizer que eu vou perdoar os agressores das minhas irmãs, amigas e familiares. Isso não quer dizer que eu vou perdoar os agressores das mulheres que não conheço. Não é papel do feminismo perdoar um ato de crueldade; é papel -fundamental- dele proteger as vítimas. 

E, Lola, você acaba de mandar várias mulheres de volta para a guilhotina. 

(esse texto é uma resposta à esse texto: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/08/nao-me-perdoo-pelas-pessoas-que-estuprei.html)

Santas quebradas reproduzindo o luto coletivo gerado pelos manequins da Toulon.

domingo, 28 de julho de 2013
Sempre fui o tipo de pessoa que exige respeito. De todos os lados. Todos os dias alguém me pergunta se é sendo feminista (com aquele tom de nojo em cima da palavra "feminista") que eu quero ser respeitada. Sempre respondi que não é assim que eu quero ser respeitada - é assim que eu exijo ser respeitada. Só que eu sou desrespeitada todos os dias pelas pessoas, pela igreja e pelo estado. O senso comum diz que eu preciso "me dar ao respeito" e ser uma mulher dentro dos padrões patriarcais e só assim, talvez, quem sabe, há a chance de eu ser respeitada. Eu piso fora da linha do comportamento que me foi imposto e sou vadia, piranha, mau comida.

É fato sabido que o respeito não é dado para as mulheres da luta. Existe sempre um "porém" sendo analisado pelo conservadorismo, sempre um "entretanto" sendo utilizado pelos reacionários. A igreja faz questão de dizer que não somos mulheres de verdade - somos vadias, afinal! O estado não nos defende, embora devesse, embora adore dizer que somos iguais aos homens. Se a teoria e a prática fossem semelhantes, até que muita coisa estaria melhor. Teríamos um estado laico, mas a vinda do Papa e da JMJ só me afirmou que estamos é bem longe disso. Na verdade, acho que estamos mais perto de voltarmos a queimar as bruxas do que conseguir efetivamente um estado laico.

E todo o foco da Marcha das Vadias se encontra nas imagens quebradas. Todos que são contra a marcha focam seus comentários, xingamentos e "cadê o respeito que vocês pedem" nas duas pessoas quebrando as imagens santas. Eu não quebrei santa e provavelmente nunca quebraria, mas eu entendo o que está entalado na garganta dessas pessoas e entendo o significado que tudo isso tem.

Cadê o respeito que eu tô pedindo? Olha, eu percebi que não dá para pedir respeito e dar respeito quando não estão em situações equiparadas. E não, a sociedade não me vê da mesma forma que vê a igreja. Querendo ou não (e eu não quero), a Igreja manda na vida das pessoas. Vocês, reacionários, machistas, homofóbicos, religiosos bitolados estão tão preocupados com o gesso jogado no chão que estão ligando o foda-se para o sangue que escorre por conta de seus preconceitos e dogmas todos os dias. Teve gente na Marcha das Vadias quebrando santas? Sim! E os "mini-fetos" distribuídos pela JMJ? Para mim, isso é uma falta de respeito muito maior. Mas é isso que dá quando se tenta falar de respeito com uma religião que já matou e mata aqueles que discordam dela: somos taxadas de malucas, de vadias, de piranhas, de hereges.

Eu exigi respeito por tanto tempo que cansei. Não dá para mudar um mundo entregando flores para aqueles que me oprimem. Não dá para exigir que me enxerguem como igual quando eu tenho uma relação de respeito (de mão única) com aquele que me oprime. Então, se você se sentiu ofendido por ter suas santas quebradas no chão, vamos lembrar de algumas coisas?

A primeira delas é a mais obvia: Aquilo alí é apenas gesso. Sua fé não está baseada na imagem que eu sei. Não importa qual é a sua religião, as imagens não são a sua fé. O gesso quebrado no chão é uma representação muito forte, são oprimidos quebrando aquilo que querem que aceitemos todos os dias. Desde pequenos somos ensinados que a religião e a fé é o bem maior: é com o que não se brinca. Pois bem, aquele não é meu deus e eu não adoro aquelas imagens. Quem dera que fosse só me manter afastada disso e isso não teria efeito sobre mim. A questão é que existem rosários enfiados fundos nos meus ovários - e em todo o meu corpo. Para mim, a representação do quebra-quebra de gesso foi exatamente isso: Tirar os valores religiosos de um corpo laico.

Consideramos falta de respeito coisas bem diferentes. Vocês consideram um beijo homossexual uma falta de respeito. Consideram a quebra de imagens santas uma falta de respeito. Consideram os peitos femininos uma falta de respeito. Sejamos sinceros: qualquer libertação feminina, para vocês, é uma falta de respeito. Antes bruxas; agora vadias! Nunca Maria, sempre Madalenas.

Já para mim, falta de respeito foi minha mãe ter que escutar dentro da igreja que ela frequenta a vida inteira, que ela teria que se levantar para que os peregrinos da JMJ pudessem se sentar. Falta de respeito, ao meu ver, foi a mulher com a camisa da JMJ olhar de cara feia para um senhor humilde dentro do ônibus e se recusar a sentar ao lado dele. Falta de respeito foram os peregrinos da JMJ que xingaram e ofenderam os casais homossexuais dentro da Universidade Federal Fluminense e dentro dessa mesma universidade, que é livre, laica e plural, depredaram cartazes de coletivos, além de falarem que as meninas precisavam ser salvas (por eles, claro, que são homens e tem o poder de salvar a todxs).

Falta de respeito foi a igreja católica, que é extremamente rica, gastar o dinheiro do meu país para trazer seu papa para terras brasileiras. Não temos educação, transporte, saúde ou segurança de qualidade, mas temos a alienação do povo em padrão Fifa: futebol e religião.

Falta de respeito é tentar humanizar algo que pode vir a ser um feto e tornar como monstro a mulher que não quer ser mãe. Falta de respeito é ignorar todo o sangue derramado em clínicas de aborto clandestinas e nos banheiros de casa. Falta de respeito é esquecer o sofrimento da mãe pobre que aborta com agulha de tricô pois não tem mais condições de trazer outro filho para sofrer a miséria.

Falta de respeito é dizer que a camisinha não deve ser usada - ignorando completamente as milhares de mortes e sofrimentos causados por doenças sexualmente transmissíveis. Falta de respeito é não existir um planejamento familiar e, além de tudo, proibir educação sexual na escola. Falta de respeito é o sexo ser um tabu.

E agora, a igreja que sempre me oprimiu (e oprime até seus próprios fiéis), que matou e mata, que proibi contraceptivos, que condena as mulheres que não querem ter filhos, que esconde a pedofilia e não se pronuncia sobre ela, que apoiou modelos de estado completamente sanguinários (vide Alemanhã Nazista), que faz propaganda contra o casamento igualitário, que prega que a mulher é inferior ao homem, que o negro é inferior ao branco, que prega um discurso de ódio em relação às outras religiões, principalmente as religiões afro... bem, essa "linda" igreja quer vir falar de falta de respeito com aqueles que estão sendo oprimidos há milhares de anos e não aguentaram mais e quiseram tirar seus dogmas de seu corpo e quebrar no chão.

Essa igreja não dialoga comigo.
Essa igreja não quer o meu bem - e nem o seu.
Eu sou contra essa igreja, mas se você ainda quer segui-la, apoiar um estado laico permite que você possa. Por que é fácil não ver problema no estado atual quando se é católico ou evangélico. Quando sua religião não sofre preconceito, é fácil achar que o estado laico é algo ruim. É fácil chutar macumba e pedir respeito quando uma santa é quebrada.
E vamos todos combinar: O que é um gesso quebrado no chão quando o sangue de milhares de inocentes mancha a religião dessa maneira?

Eu apoio a Marcha das Vadias. Eu sou feminista. Eu sou livre. Eu não vou mais aceitar que qualquer igreja imponha seus dogmas na minha vida. Eu quero um estado realmente laico. Eu quero um luto generalizado pelas mortes da Maré e pelas mortes em clínicas clandestinas de aborto, não por manequins da Toulon ou santas quebradas.

Eu quero humanizar as pessoas e não a matéria.
Talvez eu não quebrasse uma santa... Mas eu entendo quem quebrou!

Foda-se o papa! Cadê Amarildo?!

segunda-feira, 22 de julho de 2013
Que lindo esse país receber tão bem o Papa!

Tudo bem, nosso país não trata bem seus próprios morados. Quer dizer, tem gente sumindo depois de ir "conversar" com a PM, mas quem liga? É morador de favela, com certeza tem ligação com o tráfico (deve ser vizinho de traficante, bisavó de traficante, tio-avó do primo de terceiro grau do vizinho do traficante). Tem gente inocente sendo morta na Maré pela PM, mas o único luto que se formou foi pelas roupas saqueadas na Toulon. Andam dizendo que o bairro nobre teve um dia de Maré sem nem ao menos entender a diferença entre a morte de um ser humano e a depredação de alguns orelhões. Quer dizer... tem mulher sendo estrupada todos os dias e mesmo assim a culpa recaí sobre elas. Hoje mesmo vi, mais uma vez, a mídia querendo justificar a agressão contra a mulher e culpabilizar aquela que está cheia de manchas roxas e traumas permanentes. O negro ainda é confundido com bandido só por ser negro. Existe uma limpeza étnica que ocorre todos os dias nas ruas dos bairros nobres para que a "classe média" não tenha que aturar uma imagem "suja" pela janela de seu apartamento. Se ficamos em casa, aprendemos que não podemos reclamar. "O Brasil nunca vai mudar". Se vamos para a rua, apanhamos, recebemos spray de pimenta na cara, bala de borracha na nossa direção... Quer dizer, enquanto eu crescia todo mundo falava que vivíamos em uma democracia. Que porra de democracia é essa?! Eu não posso ir pra rua cobrar do governo coisas que ele deveria estar fazendo -e, claro, não está. Eu não posso sair na rua pra comprar pão sem o medo de saber se eu vou voltar. Meu país culpa a mulher por ser estuprada, diminui as relações homoafetivas, ainda trata o negro quase como que na época da pós-escravidão. Que porra de democracia é essa que todo mundo se segrega e a polícia, que deveria defender aquele moço que estava na porta de casa vendo o peixe que havia pescado, na verdade só se preocupada com os interesses daqueles que possuem o acúmulo de capital? Dizem que a polícia vem me defender e tudo o que eu quero é saber quem vai me defender da polícia. Agora escuto gente falando que não tem sentido e é uma falta de respeito organizarem beijaços LGBT e mulheres mostrarem o peito perto do papa. Falta de respeito é um casal homossexual não poder se beijar na rua sem correr o sério risco de ser agredido. Falta de respeito é a mulher ter que ser sempre considerada inferior ao homem. Falta de respeito é o negro sempre ser considerado inferior ao branco. Falta de respeito é o que a sociedade prega todos os dias. Agora que o papa chegou, não adianta colocar a sujeito para baixo do tapete. Se não vivemos em um país laico na prática (afina, gastar dinheiro público para manter aqui um líder religioso não é missão de um país laico), então temos que lutar pela laicidade ainda! E essa luta é SIM questionando e "chocando" aquele que vem para nos mostrar como o nosso país quer esconder a sua população. Quer esconder os negros, os pobres, as mulheres liberais, os gays. O meu país, que recebeu tão bem o papa, não me recebe bem no dia-a-dia. Não recebe você bem. Não recebe bem aquele que aplaude o papa. Por que o meu país só anda recebendo bem quem tem dinheiro, quem não vai contra ele e quem não questiona os preconceitos sociais existentes.

Obrigada Papa, por mostrar para mais gente a varredura que anda acontecendo nas ruas do Brasil, mas, sinceramente, não ligo se você está sendo bem ou mau tratado aqui. Falaram que "O Papa não tem culpa"... Mas o Papa diz que é pelos pobres e pelos necessitados. Tem gente necessitando aqui! Tem MUITA gente necessitando aqui. Então, por que esse país tão caloroso não pegou o dinheiro que trouxe o papa e redistribuiu para ajudar esse povo carente? Esse povo trabalhador que carece de atenção?! O Papa, que é líder religioso da igreja católica (e não é preciso dizer o quão rica ela é), não tem condições de bancar a JMJ?

Fé é lindo, mas de nada adianta se o povo não tiver um pão na mesa e a liberdade de pensar e ser.

Mas não se preocupem... O Papa abençoará a todos!

"Nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda"

quinta-feira, 18 de julho de 2013
Quando o machismo vêm escondido de "eu não sou machista". 

Acredite: existe machismo até onde não vemos. Peguei essa postagem do Tico Santa Cruz para ilustrar algo que acontece diariamente. Ter visão política, posicionamento e ideologia não é sinônimo de estar livre do machismo. 

O que vejo diariamente nas redes sociais e na vida são pessoas que resolveram se politizar graças às manifestações que aconteceram e estão acontecendo no Brasil. É o tal do "gigante" que acabou de acordar. Essas pessoas, entretanto, não querem aceitar que, para estarem dormindo tanto tempo, estão em uma posição de conforto. É fácil permanecer dormindo quando você vive em uma sociedade que te favorece de todos os lados. Então, se você é branco, hétero, classe média e homem: dormir não é tão difícil para você. 

E eu até entendo você querer dormir. Se eu não tivesse conhecido a realidade do meu mundo, talvez eu também quisesse dormir. A questão é que eu nasci mulher numa sociedade que prega o desprezo e a inferioridade do sexo feminino e não, eu não consigo mais fechar os olhos para isso. Só que ai está: Você não precisa ser uma minoria para lutar por ela e com ela. 

Então, o gigante, que acordou agora há pouco (e já adormeceu em uma parte, afinal, as ruas voltaram a estar quase vazias e as pessoas voltaram a reclamar das ruas fechadas pelos protestos) resolveu que quer lutar por algo. Seja bem vindo às lutas sociais, gigante, mas sente para entender um pouco sobre a causa da mulher, dos negros, dos homossexuais, dos transsexuais. 

As pessoas apareceram sedentas por uma mudança política (que eles não sabiam direito o que tinha que mudar, então começaram a gritar que tudo tinha que mudar - sem saber o que seria esse "tudo"). E mudança política é extremamente preciso! E no meio da confusão, começaram a expulsar do movimento (ou tentar) aqueles que estavam acordados enquanto muitos curtiam o sono de beleza. Primeiro foram as bandeiras vermelhas, depois as coloridas e cheguei a ver bandeiras lilás no fogo. 

Vi pessoas que sempre desmereceram a minha causa feminista irem para as ruas. Vi pessoas racistas irem para as ruas. Vi pessoas que falaram que "lugar de índio é na selva" irem para as ruas. E com essa "politização" repentina e generalizada, as pessoas esqueceram de enxergar que existe algo chamado "social". Ali, no meio da luta esquerdista, no meio das manifestações por melhoras do transporte, saúde e educação, existe uma luta pela igualdade. Igualdade de gênero, racial, sexual. Igualdade. 

Sempre vi pessoas que são militantes de esquerda e extremamente machistas. É como aquela frase: "Nada parece tanto com um machista de direita do que um machista de esquerda". É que, até dentro da esquerda, as mulheres ainda são tratadas com inferioridade. A nós foi encarregado o papel da casa, das crianças e de manter limpos, alimentados e cuidados os homens que são da esquerda. Infelizmente, ser parte de uma luta social e por igualdade não faz com que as pessoas enxerguem todas as formas de opressão. O proletariado enxerga que é oprimido, se organiza em forma de partidos e sindicatos, mas muitos ainda não conseguem enxergar que a proletária é oprimida primeiro por ser mulher e depois por ser proletária (dando um plus a isso se ela for negra e homossexual). 

Um homem, proletariado, da luta esquerdista, da rua, ainda é capaz de ter uma "escrava do lar" e não perceber que isso é opressão - ou preferir não perceber. A questão feminista vai muito além da questão política - embora ambas as questões andem de mãos dadas boa parte do tempo. Só que a opressão feminina é muitas vezes naturalizada. "O papel da mulher é cuidar do lar", pois grande parte da sociedade não consegue enxergar a mulher como algo além de mãe, esposa e dona do lar. 

E enquanto ocorre a opressão com a mulher que tem que ficar dentro de casa, sendo objeto de decoração do marido, ocorre também a opressão para a mulher que não é casada, que é livre, que é "vadia". Chegando, então, ao ponto do Tico Santa Cruz. O que diferencia a mulher de um objeto, Tico? Eu respondo a essa sua dúvida: Não há o que assemelha a mulher de um objeto. Já pensou em trocar os papéis dessa pergunta? O que diferencia o homem de um objeto? Aí é que está: O homem não é objetivado. O homem é o patamar mais alto da sociedade, certo? É isso que as pessoas falam todos os dias. O homem, por ser homem, é um ser humano. Agora, a mulher tem que pensar o que vão pensar se ela pintar o cabelo, se ela falar um palavrão, se ela sair pra se divertir, se ela usar a roupa que quer... Por que se ela se mostrar livre, ela será caracterizada como um mero objeto.

Objeto de decoração para a casa ou objeto de desejo. Diariamente a mulher é vista e retratada pela opressão masculina como diversas formas de objeto. "Aqui, do lado desse quadro, ficaria lindo uma mulher com uma lata de cerveja para mim"; "Aqui, do lado desse aparelho de academia, ficaria perfeito uma foto de mulher pelada". Não sou eu, mulher, que me considero um objeto. Eu sou tão humana, livre e capaz quanto qualquer homem. Só que vivo em uma sociedade que quer a mulher calada, reprimida e pronta para saciar todos os desejos masculinos. 

E quando eu, mulher, abro a boca, abro minhas algemas e começo a gritar por mim e pelas outras, sou vista como vadia, mal comida, feia... FEMINISTA!!!! "Por que você é assim, tão... feminista?" Querido, se você não é, eu não consigo entender qual o seu problema. O que me diferencia de um objeto, Tico - e todos os que concordaram com a fala dele - é que eu sou mulher. Ponto. Não há preciso muita coisa para explicar a diferença, ou você tem algum problema que te impede de diferenciar um ser humano de uma xícara? Por que, se tiver, não sou eu que irei te curar - acho que um médico talvez possa fazê-lo. 

As falas ensaiadas por uma militância excludente são, em grande parte, agradáveis de serem lidas. Elas falam o que a maioria quer escutar. Ninguém quer escutar que a mulher está lutando pela liberdade de deixar de ser dona de casa quando não deseja ser. Ninguém quer escutar que o negro quer parar de ser confundido com bandido todos os dias na rua. Ninguém quer escutar que o casal homossexual é idêntico e tem os mesmos direitos que um casal heterossexual. Por que tudo isso mudaria o mundo, tudo isso causaria uma confusão e o "gigante", que diz que acordou, na verdade adora a calmaria da sua cama. 

Se você tem uma militância construída pelo tempo e com causas verdadeiras: Sempre é tempo de aprender e agregar. Todos os dias eu aceito que tenho que aprender sobre as outras lutas sociais além do feminismo e trazê-las para perto. Se o que buscamos é igualdade, precisamos lutar não somente por aquilo que nos afeta e oprime, mas lutar também por aquilo que oprime nosso semelhante. 

Se você acordou agora, junto com o gigante, e gostou do sabor da rua: Seja bem vindo e espero que tenha paciência e cabeça aberta para aprender sobre as lutas sociais que estão na rua há tempos buscando direitos e igualdade. 

Agora, se você acha que sua militância está perfeita da maneira que está, algo está errado. O mundo muda constantemente, novos casos são trazidos a tona e muitas outras formas de opressão aparecem para que nós combatemos. É esse o nosso papel, a partir do dia em que enxergamos as amarras invisíveis que colocaram em nós. 

E não se assuste ao ver um texto dito como "igualitário" com alguma forma de preconceito. Às vezes, a opressão vêm do nosso lado. 

Pra não dizer que eu nunca falei de amor

sábado, 22 de junho de 2013


Acho que nunca me ensinaram a escrever uma carta de amor. Bateu vontade agora. Conhece essa vontade de colocar no papel (ou na tela do computador) todos os sentimentos que guarda no peito? Então. Deu vontade de escrever uma carta de amor. Tá faltando destinatário, só tenho remetente. Eu. Eu to enviando essa carta e eu ainda não sei para qual endereço. Talvez eu a deixe se perder pelos Correios, iguais as cartas para o Papai Noel. Até que não é má ideia; vou endereçar para o Polo Norte! (ou será polo sul? Nunca soube). Vai que uma dessas boas almas peguem a minha carta e resolvam me dar o presente que peço. O que eu peço? O amor. Uma carta de amor sem destinatário e sem conteúdo? Prazer… eu! Sou o remetente, mas no fundo não remeto nada. Não tenho o que dizer, só quero ir falando essas palavras sem nexo, sem sentido. Uma carta estranha vai se formando e eu ainda não imagino para quem endereçar. Quem vai ler? Você tem coragem? Se tiver, venha cá, te dou um abraço apertado, um beijo, um carinho, um cafuné. Até café eu aprendo a fazer, se você for um desses clichês. Se você quiser, faço bolo, torta, almoço, café da manhã, janta. Se preferir, morremos de fome embaixo da ponte, tudo bem, tudo não fica melhor quando se tem amor? Será? To afim de descobrir. É boato ou é mágica isso que acontece quando nos apaixonamos? Hey, você que pegou essa carta dentro de uma garrafa jogada no mar no meio do carnaval, me responda: amor vale a pena? Talvez valha, né? Talvez o ruim não seja o amor; seja amar! O amor nunca se fode, afinal. Quem se fode é a gente, que se entrega a ele, que busca por ele, que morre por ele. Se não morre de suicídio, morro de assassinato. Ele nos assassina todos os dias, a cada romance mal resolvido, a cada briga, a cada lágrima. Maldito! Ou querido? Não sei! Você que está lendo essa carta poderia me responder né? Pra quem eu enderecei isso aqui? Será que o amor vai bater na minha porta antes de eu terminar de escrever, me pegar pela mão e me levar pra dançar? Coitado, tenho dois pés esquerdos e nem sei rebolar. Talvez dançar não seja uma boa ideia para o amor. Mas é isso, mesmo na dúvida se amar é bom ou ruim, to afim de doar meu amor pra quem prometer cuidar dele direitinho. Confesso que não sei passar roupa, mas o contrato é de namorada (esposa, ficante, amante, o que se encaixar na sua vida melhor) não de empregada. Promete ser quente? Tá tudo tão frio ultimamente. Acredita? Frio no meio do Rio de Janeiro fazendo 40 graus. Ai esse Rio 40 graus… Mas aqui dentro tá frio, aqui no peito, sabe? Então, vem esquentar? Se preferir me manda uma carta em resposta com um formulário e eu preencho. Vai que dá certo, não é? Seria uma bela história para contar aos nossos filhos. Então é isso, ninguém bateu na porta até agora para me chamar pra dançar e eu duvido que o Papai Noel me arranje um namorado de presente (afinal, o trenó já está cheio). Mas eu escrevi. Não tem destinatário, nem assunto, nem amor. Mas tô procurando. Se achar, me avisa.

Misoginia coletiva

domingo, 2 de junho de 2013
Imagine uma sociedade que obriga as mulheres a se odiarem. Enquanto os homens curtem a saída do trabalho em um barzinho, conversando e sendo amigos de verdade, as mulheres são obrigadas a serem falsas umas com as outras. Você consegue imaginar essa sociedade que coloca um dos gêneros como desleal com seus semelhantes? Uma sociedade que obriga que todas as amizades entre mulheres seja falsa, interesseira e passageira. Uma mulher é obrigada a elogiar outra, mas criticá-la fervorosamente por trás. As mulheres também são ensinadas a se vestir, portar e falar (além de aprenderem, desde cedo, a criticar qualquer outra mulher que não siga as normas padrões que a sociedade criou). Se você nasceu mulher nessa sociedade, bem, meus pêsames. A partir de agora você será obrigada a aprender a identificar estupradores na rua e técnicas de proteção, talvez seja bom fazer um curso de defesa pessoal. Você tem que se defender de todas as formas de possíveis abusos (sexual, psicológico, físico). Roupas curtas estão terminantemente proibidas, você não pode levantar a voz para seu pai/marido, você não pode negar sexo para seu parceiro, você não pode sair para beber sozinha, não pode andar sozinha na rua deserta, não pode voltar para casa de madrugada (muito menos desacompanhada), não pode escolher não casar ou não ter filhos. Você, que nasceu mulher nessa sociedade, está obrigada a se relacionar com um homem e ter filhos. Tem que casar. Você, por ter nascido mulher nessa sociedade, só será completa quando descobrir a maternidade.

Você consegue imaginar essa sociedade? Não estou falando que os homens não têm obrigações, mas eles têm algo que foi roubado das mulheres: Liberdade.

É. Essa sociedade é a nossa. Uma sociedade que ensina que uma mulher não pode gostar (ou defender) outra. Uma sociedade que ensina que adjetivos como "piranha", "vadia" e "puta" devem ser utilizados diariamente e para classificar (quase) todas as mulheres. Afinal, qual foi a última vez que você chamou alguém por esses três belos nomes? Você lembra o motivo? Vou te ajudar. Releia o primeiro parágrafo do texto e veja se você já encaixou um desses adjetivos para mulheres que foram contra essa sociedade. Vadia é a mulher que sai na rua sozinha, a mulher que se relaciona sexualmente com vários homens (ou mulheres, ou ambos). Puta é a mulher que anda de roupa curta, que volta da balada de madrugada, que vai pra casa sozinha depois do trabalho/faculdade/curso. Piranha é aquela mulher que não quer casar e, muito menos, ter filhos, é a mulher que desafia o patriarcado dentro de casa.

Eu cresci escutando que "amizade entre mulheres não é verdadeira". Confesso que carreguei isso como verdade durante muito tempo (tempo demais até). Aprendi que não poderia confiar completamente no elogio de uma amiga, pois assim que eu virasse as costas ela poderia criticar o meu cabelo, a minha roupa e a minha maquiagem. Afinal, mulher é invejosa. Será? Será mesmo que a mulher tem a incapacidade de se sentir bem por outra? Será que, obrigatoriamente, toda amizade entre mulheres tende ao fracasso, pois duas mulheres nunca conseguirão conviver plenamente e em harmonia? A minha sociedade me ensinou que somente o homem é confiável, mas só se eu também for um homem. É que também fazem questão de me dizer, todos os dias, que não existe amizade entre homem e mulher; o homem sempre vai querer abusar da mulher. Por isso que homens só dizem ser amigos de mulheres bonitas. Pra que eles chegariam perto das feias?

É. Minha sociedade, a nossa sociedade, ensinou-me que a mulher deve ser sozinha. Não pode confiar em ninguém. Amigas são falsas, amigos são tarados. Em um momento da vida, provavelmente na adolescência e na igreja, a mulher encontrará um homem para namorar e futuramente casar. Fluxo da vida. Se o seu marido te trai, a culpa nunca deve ser atribuída a ele. O motivo? A sociedade nos ensina que a culpa é sempre da mulher. Da roupa curta, das pernas de fora, do batom vermelho, da sombra preta, da forma como ela olhou para o homem, da maneira como ela se sentou no bar, pelo fato de estar bebendo. A mulher, por ser mulher, deve ser culpada.

O reflexo desses ensinamentos eu vejo diariamente. Vejo quando uma mulher foge do que lhe foi imposto, exerce sua liberdade e, graças a isso, é classificada como puta, vadia ou piranha (derivados também podem se encaixar). Vejo quando duvidam da felicidade de uma mulher que resolveu não ter filhos. É nosso slut shaming de cada dia, que diz que a mulher tem que ser mais controlada sexualmente que o homem. É quando falam que não é "natural" uma mulher ter desejo sexual, aceitar isso e praticar sexo livremente. É quando falam que uma mulher lésbica ou bissexual só o é para chamar atenção dos homens. Afinal, o que é mais sexy que uma mulher-fetiche?

A sociedade ensina pra mim, pra você e pra todos que a cultura legal de se aprender é a cultura do estupro. Somos ensinados, todos os dias, que o estuprador, na maioria das vezes, só cometeu o crime por que foi seduzido pela mulher que, na hora H, resolveu dar pra trás e agora fica falando que foi estuprada. Aprendemos, desde sempre, que mulher tem que se dar ao respeito.

Nasci mulher em uma sociedade que prega o desprezo pelas mulheres.



Não teremos pau no cardápio hoj

domingo, 28 de abril de 2013
Agora eu vou colocar minha voz na mesa.

Já fazia um bom tempo que eu não escutava alguém falar que feministas são mulheres que querem agir como homens. Até hoje. E hoje, esse comentário teve outro efeito em mim. Logo me veio no pensamento a expressão: Colocar o pau na mesa. Só que hoje, nenhum pau, nenhuma boceta, nenhum peito será servido. 

Eu, mulher, sou firme na minha posição, sou firme na minha voz e tenho convicção dos meus pensamentos: Calem a boca que ela está colocando o pau na mesa. Não, não estou. Eu, mulher cis, não tenho e nunca tive um pau para pôr sobre a mesa. Minha opinião não é formada pelo meu órgão genital, então não é ele que tem que ter voz. 

A questão é que eu não sou homem - e não o quero ser. Eu nasci com genitália feminina e com identidade de gênero feminina. Isso é parte de mim e é parte da qual não abro mão. Entretanto, isso não me define e muito menos me limita. Nascer mulher não é um defeito, um azar ou uma condenação. Assim como nascer homem não é uma dádiva. Nascemos humanos e o que deve ser levado em consideração é a maneira como seguimos nossas vidas. 

A luta que sigo, todos os dias, é a luta pelo feminismo. A luta por uma sociedade sem o machismo, a homofobia, o racismo, o sexismo, o cissexismo, a transfobia e todas as formas de violência, agressão e preconceito. Eu quero uma sociedade que enxergue o homem, a mulher e todas as outras representações de gênero de maneira igual. E isso não quer dizer que eu, mulher, queira ser tratada como homem. Sou mulher e isso não é uma vergonha, não é algo que eu queira mudar. Eu quero ser tratada como mulher, mas antes disso quero que a mulher seja tratada com igualdade. 

Hoje, eu não colocarei meu pau na mesa, nem minha boceta, nem meus peitos. Hoje, colocarei minha voz. 



A voz da minha vizinha #1

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A voz da minha vizinha é a voz que eu escuto ecoando pelo espaço que vivo, estudo, moro. É aquele comentário racista, homofóbico, misógino que escutei enquanto comprava pão. É aquela "briga familiar" que ocorreu na mesa do almoço de domingo e que, no final, todos fingem que nada aconteceu ali de memorável. Todos seguem a sua vida normalmente, como se as palavras que ali foram jogadas simplesmente não existissem. Você passa pelo posto de gasolina e escuta uma pessoa falando que homossexuais merecem apanhar e a reação do mundo é concordar com a cabeça. Dez minutos depois... sumiu. O comentário, as pessoas. Você almoça com conhecidos e escuta um deles falando que está de acordo com a mulher trabalhar, desde que não deixe de fazer a janta da maneira que ele gosta. Dez minutos depois... sumiu. O que resta em todos esses casos é a indignação sentida no peito de quem tem uma pequena noção desse mundo assustador que vivemos, onde as diferenças não são nem um pouco respeitadas. 

A voz da minha vizinha é a voz que se prendeu no meu raciocínio por mais de meia hora, enquanto esperava o ônibus ou enquanto tentava dormir. São as palavras que eu não consegui digerir - nem responder. Talvez seja o senso comum. Maldito senso comum. Essa voz, a da minha vizinha, diz palavras que são, normalmente, interpretadas como: "não adianta tentar mudar, o mundo é assim, aceite." Pois bem, não aceito, não engulo e não me calo. Se o mundo é assim, vamos mudá-lo. Se a cultura é assim, vamos transformá-la. Por que a voz da minha vizinha não pode ser vista como a voz de uma sociedade inteira enquanto o discurso dito for um discurso de ódio, preconceito e segregação. 


A voz da minha vizinha diz*:  Olha, eu não queria falar nada não, mas que luta vazia essa a de vocês. Sério. Antigamente, mulher não votava, não podia trabalhar fora, não podia usar calça. Agora, nós podemos. Nós somos livres! O que mais vocês querem? Que direitos a mais vocês querem? Já somos iguais aos homens, há outros motivos para se protestar. Olha a corrupção correndo solta por aí, vai lá pra rua fazer protesto contra isso. Agora, isso vocês não querem né? Acham muito melhor ir para as ruas, na frente de todo mundo, deixar os peitos de fora. Vocês não querem direitos iguais, vocês querem o direito de ficarem mostrando suas saliências para o mundo todo ver. É uma luta vazia, pois já lutaram pela igualdade antes. Não tem mais o que lutar (!!!). O que vocês querem é vantagens, privilégios. Não basta uma lei que defende a mulher da violência? Não basta?! O que mais vocês querem, afinal? Andar todos os dias com os peitos de fora e gritando? Agindo iguais a... homens?! Quando vocês não estão agindo iguais a homens, estão agindo iguais a vadias. E o pior: Vocês se orgulham disso. Fizeram uma marcha sobre isso. Vocês banalizam a luta das mulheres de antigamente. 


Antigamente, mulher não votava, não podia trabalhar fora e não podia usar calça. Eu fico imaginando que, naquela época, a grande maioria das pessoas viravam para as mulheres que estavam reivindicando seus direitos e falavam basicamente o que essa minha vizinha falou. Qual o motivo de você querer votar se o seu marido/pai já o faz por você? Você não vai querer ter uma opinião diferente da do homem da casa, não é? Então, qual o motivo de você votar se o seu voto já está representado no voto de um homem? Calça? Usar calça é para os homens, mulheres também tem vestimentas que os homens não usam: as saias. Não há motivo algum para misturar esses dois mundos (tão distintos). E trabalhar fora?! Que absurdo. Vai dizer que o seu marido não é homem o suficiente para sustentar você e seus filhos? Mulher trabalhar fora é uma vergonha para a família.

Argumentos vazios existem em todos os momentos para diminuir um movimento. Se ontem não podíamos usar calça, trabalhar fora e votar, hoje ainda temos direitos podados sim. Talvez não lá na lei, que adora falar que somos todos iguais (mas igualmente adora fazer diferença entre nós). Esses dias li sobre uma mulher trans que foi presa por estar com uma blusa transparente e colocada em uma prisão masculina. Somos todos iguais mesmo? Somos vistos da mesma maneira? Não. Somos adequados à lei da maneira mais favorável. A mulher trans foi presa por um ato que afirma que ela é mulher, mas foi punida como se fosse um homem. A justiça não nos enxerga como iguais e, muito menos, vê nossas diferenças. Se ela, que diz que somos iguais, não nos enxerga como tal, imagina essa sociedade que adora segregar? Você entra em uma escola mais "tradicional" e vê filas onde todos os garotos estão na direita e todas as garotas na esquerda. São os detalhes que mais fazem a diferença nessa naturalização da segregação (e de tantas formas de violência).

É fácil se acomodar com a desigualdade quando não é você que está sentindo a violência e a segregação. Quando não é a sua filha que foi estuprada, quando não é a sua neta que tem medo de sair de casa de noite, quando não é a sua sobrinha que foi chamada de piranha. Quando não foi você que tirou foto pelada e mandou para um namoradinho e esse mesmo namoradinho publicou na internet, é fácil apontar o dedo e falar que é tudo piranha. É fácil demais! Tão fácil que as pessoas estão preferindo fechar os olhos para as enormes atrocidades que estão acontecendo e estão decorando esse discurso de que a luta da mulher é uma luta vazia.

E será que somos realmente livres? Eu não me sinto assim. Vivo em uma sociedade que culpa a vítima. A garota é estuprada e vêm um professor falar na frente da turma inteira que é preciso analisar a roupa que a garota estava vestido, afinal ela poderia estar pedindo por aquilo. Ser chamada de "gostosa" e derivados na rua já é tão natural que as pessoas demoram para enxergar (e aceitar) que isso é uma violência. A mulher não pode ir para um bar beber sozinha que logo todos vão interpretar que ela precisa que alguém sare sua solidão (e de preferência a arraste daquele lugar mesmo que ela diga que não quer). Voltar a pé da balada de madrugada é ganhar um plus na preocupação de ser assaltada; agora você também tem que se preocupar se será estuprada - e morta. Roupa curta é sinônimo de "local público, pode passar a mão". E ouse não sorrir... o agressor achará ruim e pode te agredir mais ainda. Só que, fiquemos todas calmas, somos livres!

Que liberdade é essa que me põe medo todas as vezes que me arrumo para uma festa? Que liberdade é essa que coloca a culpa na vítima? Que diz que ela estava querendo, que a roupa dela demostrava que ela não "se dava ao devido respeito" e, por isso, merecia o ato de crueldade que foi praticado contra ela? Que liberdade é essa, minha senhora? Eu tenho somente a liberdade de ser igual a massa, igual aos padrões que são ditos e reafirmados todos os dias na sociedade. Sou homem ou sou mulher. Sou heterossexual. Sou branca. Sou religiosa. Sou e estou sempre calada! Se eu for contra isso, a liberdade se torna uma arma contra mim. Se eu for uma diferença, uma minoria, eu não tenho o direito de ser o que sou. Então, querida vizinha, que liberdade temos se só é possível ser livre em metade da vida, nunca por completo? Só é possível ser livre se você não sair dos moldes? Isso não é liberdade e, muito menos, igualdade.

Meus peitos. Meus. Minha posse, meu corpo, minhas escolhas, minhas regras. Peitos. Parte do corpo que é comum em homens e mulher e em todas as outras identidades de gênero. O homem sente mais calor que a mulher? Não! Então, por que ele pode sair sem blusas e eu sou criticada se amamento meu filho em público? O peito é o mesmo, o tamanho se tornou uma ofensa agora? Por que, se assim o fosse, a censura não tamparia os meus mamilos com uma tarja preta. Meus peitos não são uma ofensa, então não os sinta como tal. A questão é que eu descobri (embora a sociedade tente esconder a todo modo) que o meu corpo tem somente um dono: Eu! E se eu sou a única dona do meu corpo, eu tenho o direito de fazer dele o que bem entender e andar com as roupas que eu quiser sem que isso me deixe a mercê de estupros, violências e etc. Não há problema algum em uma mulher, no Brasil, mostrar os peitos. Globeleza no intervalo do desenho do seu filho? Pode! Bruna Surfistinha ser quase um filme pornô? Pode! (E nada contra Globeleza ou Bruna Surfistinha). Agora, amamentar em público? Uma aberração! Afinal, por que você precisa ficar colocando essas tetas para fora? Manda o seu filho guardar a fome para quando você estiver em um lugar onde ninguém veja seus peitos murchos. A questão é o peito feminino só é aceito em forma de mercadoria, em forma de submissão. Só é aceito quando é para causar humilhação. Quando a mulher está com os peitos de fora por que QUER, ah, ai ela é piranha, vadia e a ação é "atentado ao pudor".

Maria da Penha Maia Fernandes. Agredida pelo marido. O marido deu um tiro nela que a deixou paraplégica. O crime chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, pela primeira vez, foi julgado como um crime de violência doméstica. Entre todas as milhares de coisas que há para serem ditas sobre a violência doméstica, uma é a que vou frisar aqui: A grande maioria dos casos de violência doméstica são cometidos contra a mulher. O Femicídio é alarmante e não dá para esconder o fato de que a maior parte de suas ocorrências é em caso de violência doméstica. Quantas mulheres são assassinadas, estupradas e feridas todos os dias pelos seus maridos, companheiros, ficantes, pais, avós, parentes? Inúmeras, milhares, mulheres demais! A Lei Maria da Penha não é um privilégio, é o direito de defender as mulheres!

O que é ser vadia? Vejo as pessoas "xingando" de vadia as mulheres que se vestem da maneira que querem, que vivem livremente sua sexualidade, que fazem escolhas por contra própria. São as mulheres independentes, que buscam sua liberdade. Se ser vadia é ser livre, então somos todxs vadias!

Certa vez, na Universidade de Toronto, um policial foi fazer um discurso sobre o grande número de estupros que estavam acontecendo. Em sua fala, ele disse que as mulheres tinham que parar de andar como vadias (sluts) e, assim, os estupros cessariam. A culpa, então, é da mulher? A culpa é da roupa que provocou? A Marcha das Vadias (SlutWalk) é um protesto de repúdio à violência contra a mulher, ao machismo, ao preconceito, à culpabilização da vítima. Para aquele policial (e para milhares de pessoas), vestir-se da maneira que deseja é motivo para ser caracterizada como vadia. E como é dito (e eu já disse, mas adoro repetir): Se ser vadia é ser livre, então somos todxs vadias!

Então, querida vizinha, o feminismo não é uma luta vazia. Há muito ainda pelo o que se lutar. A violência está estampando a capa de todos os jornais. A desigualdade e a segregação está espalhada por todos os cantos. Não está bom como está e não está na hora de ficarmos paradas. Eu, mulher, sou livre para ser o que quiser e quero que essa liberdade seja respeitada. Quero andar na rua sem medo, quero me vestir da maneira que eu quiser e quero fazer minhas escolhas sem ter o dedo apontado para mim todos os dias. Eu, mulher, resisto!



*Eu não escutei isso, necessariamente, de uma vizinha. O que importa é que escutei de alguém.

Levou o meu coração e nunca mais voltou

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Isso não é um texto sobre o que foi amor.
Certa vez li que isso seria "arrumar o quarto do filho que já morreu".


É olhar para o lado e não encontrar.
É olhar pra trás e ver que está distante.

É a ausência de um abraço,
um apelo por um aconchego.

É aprender a conjugar os verbos no passado.
Como se fala mesmo quando algo ainda vai acontecer?
Esqueci.

É ter que fechar os olhos para enxergar.
Olhos abertos já não captam nada.

É aquela blusa velha, suja, rasgada que você não abre mão.
Um cordão que não sai do pescoço.

Uma frase melancólica escrita e reescrita em todas as agendas.
Sem destinatário.

É escutar Tim Maia,
Zeca Pagodinho.

É o colarinho da cerveja.
Agora só bebo sem essa espuma branca.

É questionar a fé, a igreja, o médico, o amor.
Cadê? Quem me roubou?

E, pra mim, é aquela velha disputa vasco e flamengo.
Isso não é sobre o que foi amor.
É sobre o que sempre será amor.
É sobre a saudade.